A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

do Governo. «Algumas pessoas desejam que eu o encontre mas, para isso, eu
exijo que as coisas sejam bem esclarecidas: tem de se lhe indicar claramente
que o Presidente do Conselho já não é ele, mas sim eu», afirmara,
desconfortável.
Por momentos, Caetano fica mal-humorado, tenso.
O jornalista percebe que não gostou da ideia de uma eventual entrevista a
Salazar. Mas logo recupera a boa disposição e a entrevista prossegue.
O repórter do L ́Aurore , porém, não desiste.
Os rumores sobre a «inocência» de Salazar quanto às ilusões em que o
mantêm haviam chegado ao hotel onde o jornalista se instalara. Não se sabe ao
certo como Roland Faure foi introduzido em São Bento e o próprio será, em
duas entrevistas posteriores concedidas ao Expresso, contraditório. Em 1988,
afirma que telefonara ao amigo Moreira Baptista para este lhe proporcionar um
encontro com Salazar. Fê-lo sem grande expectativa, mas dias depois o telefone
tocou. Afinal, o governante conseguira de Maria de Jesus a anuência para que
visitasse o antigo líder do Executivo, mas impunha-se uma condição: o
jornalista teria de se comportar como se, de facto, Salazar ainda mandasse.
Em 2010, a sua versão é ligeiramente diferente: Faure apaga da memória a
«cunha» a Moreira Baptista e confessa ter telefonado diretamente para a
residência oficial, pedindo para falar com a «dona Maria», sabendo que as suas
hipóteses eram escassas. «Disse-lhe que teria muito gosto em rever o doutor
Salazar.»
Primeiro fez-se silêncio.
Depois, a governanta condicionou a autorização ao parecer do médico. A
resposta demorou, mas veio: Faure podia aparecer em São Bento. A condição,
essa, é igual à da primeira versão do jornalista: o entrevistado não podia, em
circunstância alguma, saber que já não governa.


Às 18h45 de 20 de agosto de 1969, Roland Faure entrou em São Bento. Era o
primeiro jornalista autorizado a ver Salazar depois do seu internamento, um
privilégio que o leva a anotar todos os detalhes. «Pormenor pouco vulgar: nessa
casa onde a marcha do tempo era tão metodicamente regulada, como os
negócios do Estado, o relógio tem um atraso de vinte minutos», registara ele à
chegada.
«As sete horas vão bater e o presidente chegará atrasado pela primeira vez.
No entanto, a porta abre-se. Entra dona Maria, essa que outrora foi temida e

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