Mais telefonemas.
Pedem desculpa, «mas a ordem é para não deixar entrar ninguém».
A mulher argumenta que está ali para dar notícias a Maria sobre parentes
ausentes. Passam 30 minutos. Os agentes ficam convencidos.
Acompanhada por um polícia, Maria de Lourdes atravessa o jardim fronteiro
ao palacete. À porta, sem disfarçar o ar preocupado, algo aflito, aguarda a
governanta de Salazar. «Como vão os irmãos?», pergunta. «Vão muito bem,
trago aqui uma lembrancinha deles para a senhora.»
O polícia volta ao seu posto e as duas entram para uma sala mobilada com
peças antigas. Maria usa um vestido de seda azul-marinho com desenhos
pequenos em branco e um xaile lilás de lã rendada, feito à mão. Pergunta o que
sucedeu à entrada, o porquê da demora. A mulher explica. «Pois é... Eles não
querem que, lá fora, saibam como está o Presidente», comenta Maria de Jesus.
Eles quem? A pergunta não chega a ser feita.
As duas sobem umas escadas e, ao fim de um corredor, Maria de Lourdes
entra para um salão. A lareira está acesa, há mesas de mogno com arranjos de
folhagens e camélias, poltronas, livros, papéis, revistas, uma janela com
reposteiros.
Em destaque, uma imagem da Virgem de Fátima, rodeada de rosas e cravos
vermelhos, com um genuflexório em frente.
Sentado na habitual poltrona, junto a uma janela, com uma manta de lã
xadrez sobre as pernas, está um homem de cabelos brancos, olhos pequenos, de
fato elegante de casimira azul-escuro, camisa branca, gravata com
quadradinhos miúdos em vermelho e branco. O homem é Salazar.
Maria de Lourdes passara com distinção a primeira parte da encenação, com
a cumplicidade da fiel governanta do antigo chefe do Governo.
Não, ela não traz novidades de parentes afastados, que nem sequer existem.
Não, ela não veio apenas entregar «lembrancinhas».
Maria de Lourdes é jornalista.
Nascera em Braga, filha de mãe brasileira e pai português. Aos 15 anos, a
família rumou ao Brasil e por lá ficou. Trabalhara em conhecidas publicações
daquele país e até na televisão. Na sua carreira entrevistara, entre outras
personalidades, a Rainha de Inglaterra, o Imperador japonês Hirohito, os
presidentes brasileiros Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, Amália
Rodrigues e as atrizes francesas Brigitte Bardot e Martine Carol.
Um mês antes aterrara em Portugal com uma missão: entrevistar Salazar para
a revista brasileira Manchete e o jornal Voz de Portugal, da comunidade
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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