A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

faz. No caminho do jardim para a residência, lança «um último olhar» ao perfil
imobilizado de Salazar, assegurando-se de que «não estivera no palco
fascinante de um teatro».
Mas acabara de viver um momento shakespeariano. Uma atmosfera irreal,
dramática, trágica, em que um homem, já inválido, ensaia ainda um sopro de
vida e recusa o fim, ao mesmo tempo que se vai extinguindo, sem dar por isso,
arrastando com ele o peso de uma época, teatro de um «rei que não queria
morrer», conclui Roland Faure.
Moreira Baptista, o amigo governante, é informado pelo jornalista do
conteúdo do encontro. Fica estupefacto e percebe de nada valer tentar que a
entrevista não saia.
O L ́Aurore publicará a 5 de setembro de 1969 as declarações de Marcello
Caetano. Na edição seguinte, de fim de semana, sai a conversa com Salazar,
que o jornal titula como «um documento excecional». O sucesso internacional
está garantido, mas só a primeira entrevista é distribuída e comentada em
Portugal. O autor dos artigos passa a persona non grata do marcelismo. O
Presidente do Conselho nunca perdoará a desfeita a Roland Faure.


Para a História, esta foi a última entrevista de Salazar.
Mas havia outra.
Ao princípio da noite de 11 de fevereiro de 1970, uma limusina preta, com
chofer, estaciona à porta de um hotel de Lisboa. Chove e, como é habitual por
esta altura do ano, escurecera cedo.
Uma mulher entra no automóvel e este dirige-se à Rua da Imprensa à Estrela.
À chegada, ela fixa os muros altos que cercam a moradia. Sai e toca à
campainha.
De uma porta lateral, surge um guarda que pede a identificação e pergunta ao
que vem. Maria de Lourdes Brandão identifica-se: vive no Brasil, traz uma
encomenda para Maria, a governanta. Mostra um embrulho com uma lata de
goiabada. É convidada a entrar para um pequeno compartimento, dizem-lhe
que espere.
Sucedem-se misteriosos telefonemas da entrada para o interior da residência
oficial. Agentes da PIDE à paisana desconfiam do propósito da visita, parecem
não estar convencidos de que a mulher seja quem diz ser. Revistam-lhe a bolsa,
pedem que abra o embrulho. Assim faz.
Volta a identificar-se, mostra o passaporte.

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