Salazar está como um peixe na água, os assuntos não requerem uma memória
recente. Pode, por isso, desfiar com relativa clareza sobre o papel dos
portugueses no mundo, o espanto de industriais norte-americanos pelas
riquezas e progresso na «nossa» África, a herança portuguesa no Brasil. Maria
de Lourdes interrompe com delicadezas e despropósitos. «O senhor sabe que
engordei uns quilinhos desde que cheguei?», comenta. «E o senhor? Qual é a
comidinha que mais gosta? Conte, que isso não digo a ninguém...», graceja.
O ditador deixa-se embalar. «Prefiro bacalhau», responde.
Falam de pão, broa. «Eu também gosto muito e é um castigo arranjar broa
para mim. Tenho de esperar que me mandem da minha aldeia...», confessa o
doente.
Do nada, surge o tema da viagem do homem à lua, salto científico
programado para dali a uns meses e que vem trazendo Salazar desconfiado.
«Estamos a criar, com essas explorações lunares que não valem absolutamente
nada para a paz, um germe para futuras guerras», reage, receoso de que a
façanha «envaideça de tal maneira os norte-americanos que eles pensem que
tendo aquilo, têm tudo».
Maria de Jesus interrompe por momentos para anunciar a chegada do
fotógrafo. Tiram-se algumas fotografias e a conversa prossegue.
O diálogo, em ziguezague permanente, volta «aos laços que unem Portugal e
o Brasil». Fala-se da emigração de cidadãos nacionais para vários pontos do
globo. «Eu vejo essa emigração sem grande entusiasmo, apesar de que todos
voltam a Portugal já com um automovelzito...», ironiza Salazar. «Eles vêm por
aí abaixo com o seu automovelzito, mas aquilo não vale grande coisa»,
desdenha o antigo chefe do Governo, reconhecendo, contudo, não se poder
impedir que o português «procure melhores condições de vida em países onde
lhe dizem: vindo para aqui, você tem isto, tem aquilo».
A jornalista vai embalada.
Mas a entrevista é interrompida de forma abrupta.
Ruídos e vozes ouvem-se em fundo, há pessoas a discutir.
Entrevistadora e entrevistado calam-se.
Uma criada entra a correr na sala, com ordens da governanta, pedindo que
Maria de Lourdes saia imediatamente do palacete, pois o fotógrafo fora
«intercetado».
A jornalista tira a cassete do gravador, pega no casaco, despede-se com um
beijo a Salazar e palavras apressadas: «Obrigada...se puder volto».
Assustada, segue a criada por um corredor. «Andámos imenso». Descem
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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