A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

chegavam análises e notícias pouco abonatórias sobre Portugal, acusando
Salazar de fechar os olhos à corrupção que grassava no Estado e entre os seus
subordinados, cujos sinais inquietantes, escrevera-se, estavam nos genes do
Estado Novo.
As fissuras são igualmente visíveis nos meios católicos, onde surgem vozes
contra o regime e a política ultramarina. Reclamam-se aberturas democráticas,
liberdades, mas Portugal e Salazar prometem pouco ou nenhum futuro numa
época em que mais de 55 mil portugueses emigram para a Alemanha, a França
e o Canadá. O antigo seminarista de Viseu não se comovia com a debandada, à
qual nunca dedicará grande preocupação.
Apesar de a nação se estender para lá das suas fronteiras, as vistas de Salazar
iam pouco além da grelha de raciocínio que ele usava para a gestão da sua
própria quinta no Vimieiro. Portugal, dizia, era «excessivamente pobre» para se
permitir a certos «luxos» democráticos.
O líder da nação continua, isso sim, às voltas com pequenas coisas.
Numa deslocação a Évora, num domingo, encanta-se com a recuperação da
Pousada dos Lóios, elogiando o trabalho de engenheiros e arquitetos. Torce,
porém, o nariz ao mobiliário e à arrumação. Aflige-o que sejam colocadas
janelas nos claustros, podendo estragar a beleza do conjunto. Na ocasião, cala
as suas reservas.
Mas, de regresso a Lisboa, só descansa quando põe o problema ao ministro
das Obras Públicas, Arantes de Oliveira, nestes termos: «Os frades passaram
por ali durante séculos, não sabendo nós se se constipavam com frequência.»


O ano é ainda 1965 e trouxera, desde logo, uma daquelas notícias capazes de
desmoronar um edifício histórico: atraídos em Espanha por uma brigada da
PIDE, Humberto Delgado e Arajaryr Ramos, a sua secretária brasileira, são
encontrados mortos em abril, nas cercanias de Badajoz. Pela decomposição dos
cadáveres, o crime terá ocorrido dois meses antes. Salazar dá sinais de receber
a informação com o impacto de uma violenta pancada, mas a frieza e o
calculismo impõem-se: «Tudo isto vai ser uma maçada. Se acaso foi gente
nossa que praticou o crime, e se isso for provado, aí está o tipo de coisa que
pode desmantelar um regime» comenta, preocupado, para os seus
colaboradores.
Salazar não saberia tudo, mas sabia mais.
Em devido tempo, Silva Pais, diretor da PIDE, informara-o da preparação de

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