que as regras, os repentes, a brusquidão e o feitio da governanta eram lei.
Contava-se que, em tempos, Maria chegara a roupa ao pelo a criaditas mais
respondonas, menos competentes ou indisponíveis para lhe aturar as frequentes
neuras e caprichos. Impunha, por vezes, a autoridade ao estalo e à bofetada.
Ministros teriam mesmo sido recebidos à porta por raparigas lavadas em
lágrimas, depois de uma tareia da governanta.
«A mim nunca me bateu», conta Rosália, «mas ela gostava de castigar».
Certa ocasião, o pequeno Antoninho brincava no jardim, enquanto cuspia
para um carrinho e voltava a meter a saliva na boca. Uma e outra vez. «O que
estás a fazer? Que porcaria!», reagira Júlia, uma das mais antigas na casa,
enojada com a cena e tentando que o catraio parasse. Fazendo orelhas moucas,
a criança continuara na mesma cadência. Júlia decidira então untar o carrinho
com piripíri. Quando Antoninho repetiu a brincadeira, desatou aos gritos, a
chamar pela governanta: «Madrinha, madrinha! Pica, pica!»
Maria acudiu, sobressaltada, inteirando-se depois do que sucedera. Vingativa,
esperou que Júlia regressasse do parque com umas camisas «do senhor
doutor». Quando se abeirou da porta da cozinha, a empregada foi surpreendida
pela governanta, que lhe esfregou a boca com piripíri, à bruta. «Gostas,
gostas?!», atirou-lhe.
Nem a protegida Micas escapava ao trato bruto da governanta, que a
obrigava a penitências várias, chegando a dormir as duas no chão. «Chocavam
muito. Eu, quando me zangava com a dona Maria, nem sequer me atrevia a
levantar a voz», recorda Rosália. «Mas também não fazia o que ela queria.
Naquela casa, as empregadas iam e vinham, ninguém a aguentava.»
Apenas Salazar estava acima dela. Mas pouco. «A dona Maria é que
mandava. Era uma mulher de armas. Punha e dispunha. Contratava quem
queria e controlava tudo na vida do senhor doutor: o que ele vestia, calçava e
comia. Ele estava completamente nas mãos dela.»
Nem sempre, convenhamos.
Certa vez, Rosália aparecera com os joelhos quase esfacelados por causa de
uma infeção provocada pelas duras tarefas diárias. A governanta exigia que o
pelo das carpetes enormes que cobriam o chão todo, se lavasse com um pano
molhado e ficasse todo de pé, num brinco. À época, não havia aspiradores no
palacete e a «pequena» passava horas naquilo. Para cúmulo, Rosália rejeitara o
uso de joelheiras, não se habituara a elas. «Os joelhos começaram a criar
borbulhas e a ficar cheios de porcaria.»
Maria de Jesus autoriza duas idas ao hospital.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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