A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Rosália chegava, com motorista e polícia, «e as pessoas levantavam-se,
pensando que eu era uma figura de Estado». Passava sempre à frente de quem
já ali esperava pela vez. «Meu Deus, até parece que vai aqui uma grande
personagem!», ironizava ela para os seus botões, desconfortável com o
espetáculo que provocara e considerava dispensável.
Os médicos acabariam por ligar-lhe os joelhos e recomendaram que, durante
algum tempo, Rosália fizesse apenas trabalhos de mãos, sentada. Além dos
curativos diários, claro.
Informada das diretrizes, a governanta «não gostou, torceu logo o nariz».
Considerava os cuidados exagerados, talvez mimo a mais.
Porém, uma manhã de veraneio no Forte de Santo António do Estoril, depois
de descer do seu quarto, Salazar abeirou-se de Rosália. Reparando nos joelhos
em mau estado da jovem, perguntou: «Então hoje não foi aos curativos?»,
atirou à «pequena», abstraída a pontear roupas velhas. «Não, senhor doutor»,
respondeu Rosália, «não fui porque a senhora dona Maria não me mandou».
Irritado, o chefe do Governo foi para o escritório e mandou chamar a
governanta. De rosto fechado, repreendeu-a. «Menina Maria, por que razão não
mandou a pequena aos curativos?». Irada, mas contida, Maria respingou. «Ai
ela veio fazer-lhe queixinhas?!»
Não era o caso, mas, desde então, nunca deixou de mandar o polícia e o
chofer acompanhar Rosália ao Hospital da Mundial Confiança. «Ficou como as
cobras. Durante uns tempos, não me falou.»


O serviço, o aprumo, o cacarejar das raparigas e as intimidades eram sempre
mantidas debaixo de olho e orelha arrebitada.
As regras eram rígidas e Maria estava ali, muito antes de algumas serviçais
terem nascido, para fazer cumpri-las. A bem ou a mal.
Para os momentos de cerimónia, as criadas usam «farda preta ou de avental
branco, de crista e punhos».
Botas, «logo abaixo dos joelhos».
Pernas descobertas nem pensar. «Se não quiséssemos meias, éramos
obrigadas a calçá-las, mesmo rotas.»
As cartas que chegavam para as criadas eram lidas primeiro por Maria, que
voltava a fechar os envelopes caso o palavreado não levantasse suspeita.
Retinha a correspondência alguns dias, «apenas por maldade». Mas as
empregadas, sabidas, conspiravam nas suas costas. «A gente descolava as

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