A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Pela manhã, nos meses em que o pessoal de São Bento se mudava de tralhas
e bagagens para o Estoril, o «senhor doutor» mantinha-se sempre zeloso dos
hábitos das empregadas, sem nunca as perder de vista. «Todas as manhãs íamos
tomar banho ao mar. Descíamos as escadinhas e estávamos na praia privativa
do forte. Já viu o que era entrar na água às sete da manhã, fizesse sol ou
chuva?»
Salazar apreciava – e os seus desejos eram ordens – quando as moças, para
lhe agradar, acediam a salpicar o corpo no oceano. Entre mergulhos e toalhas, o
ditador acordava. Ao pequeno-almoço, interrogava, severo, quem se esquivara
ao ritual: «Houve uma altura em que eu não tinha fato de banho nem gostava
de usar. E ele quis saber por que razão fulana e sicrana não tinham ido ao mar.
Contei-lhe a verdade.»
Sem se comover, Salazar repreendeu Rosália: «Não tinha fato de banho?
Fosse de bata!», reagira, desconfiado de que lhe mascaravam desculpas.


Jantava-se cedo, por volta da sete da tarde.
Em São Bento, via-se televisão, mas nunca durante muito tempo.
Mesmo quando tinha trabalho até tarde, Salazar gostava de passar pela saleta,
observar o ambiente e espreitar pelo canto do olho para ver que programa
interessava tanto as raparigas. «Vá, já são horas de ir dormir», dizia, após um
pedaço de convívio televisivo.
A regra só se quebrava pelas festas de Santo António, nas touradas, no
Carnaval – altura em que as moças se fantasiavam «com uns farrapos» e iam
para o escritório fazê-lo rir «com as fantochadas» – e quando havia convites
para a ópera, teatro ou cinema. «Chegavam bilhetes todos os dias, mas o senhor
doutor e a dona Maria raramente saíam de casa.»
As raparigas aproveitavam.
«Levem a melhor roupinha que tiverem», aconselhava Salazar. Não queria
ditos nem vergonhas.
Elas lá iam. Enfileiravam-se nos lugares reservados dos camarotes das
grandes salas de espetáculos de Lisboa, sempre com um polícia à paisana por
perto.
Na ópera do São Carlos, passavam o tempo, divertidas, a tentar perceber o
que se passava em palco, como no Barbeiro de Sevilha. Mas o que apreciavam
mesmo era o ambiente fino. Comentavam «o aspeto das senhorecas e os trajes
que elas usavam».

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