A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

A mitologia sobre a influência de Maria junto de Salazar não colhe, porém,
unanimidades.
Costa Brochado, fiel secretário da Assembleia Nacional, dirá nas suas
memórias que a governanta era indispensável, influente e implacável. «Ofendê-
la a ela, era ofendê-lo a ele.».
No fundo, Maria velava pelo ditador «como uma esposa exemplar», tendo
até aprendido a fazer-lhe a barba.
Em defesa o chefe do Governo transformava-se «numa fera! Era agressiva e
provocadora». Salazar reconhecera a sua importância junto dos contínuos e dos
amigos, entre os quais era conhecido o seu «feitio autoritário» e a incapacidade
para suportar muitas presenças. «Com a Maria de guarda, não se aproxima
quem quer. Protege-me melhor do que a polícia», dissera certa vez o ditador,
elogiando a intuição dela para pressentir os perigos «ainda antes de eu ser
prevenido deles».
As ciumeiras da governanta davam-lhe para zurzir nas mulheres da limpeza
ou até mesmo nas telefonistas da secretaria-geral do parlamento, uma das
quais, Donzelina, «bela, elegante e distinta», cedo se tornou um alvo a abater.
Paulo Rodrigues, antigo secretário do Presidente do Conselho, não lhe dava,
porém, excessiva importância, reduzindo-a a funções relativas ao governo
doméstico. «Nesse tinha grande autoridade, mas não interferia em nenhum
outro», garantira.
No fundo, dirá, «Salazar carecia de ter assegurada a vida de sua casa, em
tranquilidade e eficiência.» Respeitava, escrupuloso, a competência e
capacidades daqueles com quem trabalhava, mas não permitia que alguém
exorbitasse as suas funções. Muito menos que Maria usasse os agentes da
PIDE para alguns fretes das rotinas domésticas ou transportasse a lenha para
consumo caseiro no porta-bagagem dos carros do Estado, como observara,
colérico, certa vez, no Estoril. Daí que, por essas e por outras, Maria tivesse
«clara noção» dos seus deveres e «dos limites da sua esfera de ação».
A correspondência que recebia vinha, como já se viu, recheada de pedidos de
emprego, favores, dinheiro e até de clemências.
Era sabido que «muitas pessoas» procuravam confiar à governanta «as suas
pretensões», contar-lhe os problemas, narrar «pequenas coisas que tinham por
necessárias ou atitudes que se lhes afiguravam injustas». Ela respondia e
influenciava junto de Salazar no que podia, se fosse o caso. Por via dela, o
ditador era ainda informado de boatos, dos «rumores mais secretos» e até de

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