O problema carecia de solução feminina com outro aprumo nas tarefas e
outra mão para satisfazer os apetites de Salazar e de Cerejeira.
Será então o padre Campos Neves – que chegaria a bispo de Lamego nos
anos de 1940 – a recomendar Maria de Jesus, mulher experiente de Penela, já
com currículo a preceito, à custa de anteriores serviços a família prestigiada de
Coimbra e ao próprio sacerdote.
No primeiro dia de trabalho, Maria estarrecera com o cenário: fora encontrar
Salazar, com um trapo a fazer de pano do pó, a espanejar a mobília do
escritório. Não tardou que a governanta impusesse a sua presença e atributos
junto dos dois ilustres professores, a partir da faxina e da cozinha.
Também não espantaria que mais tarde Salazar a levasse consigo quando
assumiu funções governativas. O primeiro esfriamento entre os dois amigos dá-
se, precisamente, por causa de Maria.
Salazar propusera continuarem a viver os três numa nova casa, mas
Cerejeira, já em ascensão na Igreja, recusa, insinuando que a partir dali tudo
será diferente. Em Lisboa, dirá o futuro cardeal, «apartamos os nossos
caminhos. Combinámos encontrar-nos apenas duas vezes por ano: uma no
Natal e outra no aniversário dele.»
Na quadra natalícia, aparece para o habitual peru, um luxo só possível, à
época, nas mesas mais ricas da capital. Nesses momentos que se supunham de
paz entre os homens, discutem, discordam, quase se zangam, enquanto levam à
boca rabanadas e sonhos em calda.
Cerejeira dirá não guardar sequer os números particulares do ditador. Sempre
que precisar de lhe falar liga pelo geral da residência oficial. «A nossa amizade
chegou, a ser, por vezes, molestada», confessará.
Salazar, porém, tinha mais que fazer e precisava de quem lhe pusesse ordem
nas miudezas e lhe organizasse o quotidiano. Por isso, Maria seria a sua versão
feminina, verdadeira guardiã do regime entre portas.
Chegados ao último terço da década de 1960, um e outro conhecem-se como
um casal dedicado, descontadas outras intimidades.
Cozinheira de estalo, Maria nunca deixara tais créditos entregues às mãos das
criaditas que ia contratando. Elas, porém, nem sempre aprovam o talento.
«Obrigava-me a comer sopa de coentros e eu odiava coentros. Ainda hoje
odeio. Mas ela era uma ranhosa nessas coisas», relembra Rosália.
Têm o dedo da governanta as petingas fritas com feijão-frade que Salazar