A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

convidado para jantar em São Bento. A refeição era peixe. «Que vinho bebe?»,
perguntara o ditador. «Bem, senhor Presidente, sendo peixe, talvez um
branco...», sugeriu. «Pois aqui em casa, com peixe ou carne, é tinto, do Dão e
do meu!», respondeu, de pronto, o anfitrião.
À tardinha, em São Bento, o ditador apreciava o seu chá, «que acompanhava
com umas cavacas, se houvesse».
Café nunca bebia, mas era um «nunca» relativo: provara-o em mais do que
uma ocasião e considerava-o «a melhor bebida depois da água», mas nunca o
incluíra nos seus hábitos por causa das excitações, que não tolerava.
Ao jantar, havendo companhia, não dispensava um cálice de vinho do Porto.
A relação de Salazar com o «generoso» das encostas durienses foi aveludada
pelo padre Carneiro Mesquita. Além de presença domingueira nas missas e
pequenos-almoços do palacete, o sacerdote era proprietário de quintas na
região e produtor de néctares de eleição. Diz-se até que o apreço do chefe do
Governo pelas propriedades do precioso líquido era levado ao extremo de usá-
lo nos intervalos de longos discursos para molhar a palavra. Ginjinha também
bebia, mas só por deferência à produtora: Maria de Jesus.


Enquanto teve saúde, o ditador nunca falhou a época das vindimas em Santa
Comba. Antes da partida, perdia horas orientando por telefone os trabalhos
preliminares e a distribuição do vasilhame. Já na terra, agradava-lhe provar o
vinho novo. Sentia-se, de resto, depositário de uma tradição familiar de cultivo
da vinha.
Sabedor e atento, o amigo Bissaya Barreto mandara fabricar garrafas
especiais, de um vidro verde-escuro pesado, feitas de propósito para acolher a
produção da adega de Salazar, de vinhos de mesa e aguardentes. As letras eram
gravadas em relevo no vidro, todas em maiúsculas: «Quinta das Ladeiras –
Santa Comba – Dão», lia-se, ao fundo, no redondo da garrafa, cuja elegância
era adornada pelo lacre a cobrir a rolha e por um cacho de uvas também em
relevo.
O campo delimita a geografia sentimental de Salazar.
De sacho na mão, perde a noção do tempo. Quando regressa a casa, atira-se
para uma cadeira, tira as botas e as meias, e espera-o Laurinda, uma pequena da
terra, para lhe lavar os pés.
Ao lado já tem as pantufas. É com elas calçadas que almoça, quando não tem
visitas. A rapariga tem 8 anos, se tanto, e, além dos trabalhos pesados, brinca

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