ser justificado. «Administro talvez o Estado com menos dificuldade do que a
minha pequena propriedade», confessara ele, a certa altura.
Para Salazar, o Portugal rural, puro, de boa cepa, respeitoso, metido nos seus
assuntos, ordeiro e sem ambições, é um território a preservar. «Eu e meus pais
vivemos pobres, mas felizes. Eu e meus pais temos paz em casa, paz na rua e
paz no espírito», escreviam-lhe, a confirmar os seus pensamentos.
Ricardo Blanc, seu subsecretário do Tesouro, natural de Azeitão, tivera numa
ocasião de aturar ao ditador a sua faceta de administrador franciscano e
provinciano. O governante sugerira um aumento das verbas para
melhoramentos rurais. «O senhor não conhece o interior de Portugal»,
contrariara-o Salazar, antecipando sermão. «As pessoas que ali vivem estão
ainda muito arreigadas às suas tradições e modos de vida seculares. Se lhes
levamos o progresso de repente, perturbaremos gravemente os seus equilíbrios
naturais», justificara, exemplificando: «Por exemplo, se acabamos com as
fontes e lhes levamos a água a casa, as mulheres já não terão de ir todas as
manhãs com o cântaro à fonte. Como é que elas hão de poder pôr a conversa
em dia umas com as outras?»
Um jornalista argentino que o entrevistara em dezembro de 1967 notara que
esse País de camponeses conduzindo cabras e carregando molhos de lenha
pesadíssimos à cabeça poderia ser sinal de subdesenvolvimento, mas Salazar
não se enfadava. Esse era, afinal, «o ideal de vida de muitos portugueses que,
assim, viviam felizes», respondeu-lhe.
Fosse esse País real ou imaginado por Salazar, a verdade é que, de terra em
terra, há muito deixara de se escutar, com vigor, o repicar dos sinos em honra
do regime. O Portugal do Estado Novo caminha moribundo, incerto, trôpego. A
queda adivinha-se próxima e, com ela, os últimos capítulos na vida de um
homem cujo destino há muito se confundiu com o regime.