A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

VI


O princípio do fim


Enganara-se em mais de uma ocasião nas orações da missa caseira.
Enfrentava as semanas de trabalho com uma fadiga e uma tristeza que os
íntimos pressentiam repetidas vezes.
Confessara-se repetidamente «infeliz no Governo» por nunca ter podido
«governar em paz e livre de ameaças ou ataques exteriores».
Longe ou ao pé da porta, avolumavam-se razões para Salazar temer os dias
que se seguirão.


Naqueles meses de 1968, o mundo treme com a guerra no Vietname e anseia,
da França ao Brasil, por novos horizontes.
De fora chegam desejos de aspirações democráticas, que contagiam os
indígenas.
Multiplicam-se greves nos transportes públicos e no setor pesqueiro.
O braço de ferro estudantil nas universidades agrava-se.
Sucedem-se manifestações contra a guerra em África.
Vários membros da oposição são presos na sequência da divulgação
internacional do escândalo Ballet Rose e Mário Soares é deportado para São
Tomé.
O padre Felicidade Alves, pároco de Belém, é afastado do ministério por
causa das suas denúncias da estrutura e organização eclesiástica, da
condenação da Guerra Colonial e das reivindicações de cariz libertador e
democrático que professa.
Quinze mil pessoas vivem num antigo depósito de entulho, na Musgueira,
em barracas de madeira, cimento, tijolo, pedra e cal, sem luz elétrica nem água
canalizada, onde pagam uma renda. Pais e filhos dormem juntos,

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