Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

O homem assentiu com a cabeça. Frances teria adorado saber qual o problema do taberneiro,
mas, tendo esperado um instante antes de pagar a sua bebida, seguiu o boticário com muita
discrição.
O homem andava sorrateiramente, olhando várias vezes para trás, afastando-se do rio por
uma pequena rua chamada Cook’s Grounds, que serpenteava entre altas paredes de casas Tudor
até ir dar a uma cavalariça. Frances, mal acreditando na coragem que tivera para o seguir,
encostou-se à parede de tijolos e concluiu que aqueles deveriam ser os estábulos da casa dos
Shrewsbury.
O boticário esperou até que, parecendo ter por fim perdido a paciência, desapareceu no
interior do edifício comprido e baixo, emergindo momentos depois, acompanhado por um rapaz
de ar assustado, que teria doze ou treze anos. Passara a ser este a transportar o precioso objeto.
Então, o rapaz correu, com o embrulho encostado ao peito, na direção da casa e do jardim. Com
um último olhar furtivo, o boticário retomou o caminho de volta, enquanto Frances, de coração
acelerado, se mantinha escondida e ponderava o que poderia aquilo significar.
Talvez Lady Shrewsbury tencionasse comparecer no duelo e tivesse comprado veneno para
nele mergulhar a ponta da espada, como ela lera ser costume em Itália. E, mesmo que tudo lhe
parecesse demasiado similar às tragédias de John Webster, a dissimulação do homem e a
entrega secreta não pressagiavam nada de bom.
Sabia que Mall desprezaria a ideia, chamando-lhe alarmista, e talvez tivesse razão. Mas
havia a outra questão, relacionada com o escândalo que o duelo provocaria, e que seria
diferente caso as consequências fossem fatais.
Algo que Mall havia dito sobre o gosto de Lady Shrewsbury por doces voltou à memória de
Frances. E isso inspirou-a. A forma de pôr um fim àquele duelo, concluiu, não seria ao modo de
uma tragédia, mas de uma farsa.
Olhou para cima, para as janelas das traseiras da casa dos Shrewsbury e conteve o alento,
certa de que alguém a observava dali. Antes que essa pessoa pudesse dar o alerta e gritar,
Frances correu tanto quanto era capaz, contente por estar de calças e não de saias, regressando à
margem do rio onde, desta feita, apanhou um bote que a levou até às escadas de Whitehall. Dali
poderia esgueirar-se pela entrada lateral, depois de passar pelo relvado e pelo jardim privado,
com o seu famoso relógio de sol, junto ao qual o rei acertava o seu relógio todas as manhãs
depois da partida diária de ténis.
Mas e se alguém a reconhecesse e lhe perguntasse o que andava a fazer? Manteve a cabeça
baixa e caminhou muito depressa até, por fim, chegar ao seu quarto.
Menos de meia hora depois, de cabelo arranjado e vestida de acordo com a moda mais
recente, Mistress Frances Stuart, beldade da corte, pôde emergir de novo.
Queria procurar Mall e contar-lhe o que descobrira; porém, antes disso, precisava de obter
alguns conselhos da sua ama, que era tão versada em medicamentos e poções como qualquer
boticário.
Quando o conseguiu, já estava na hora da ceia.



  • Onde passou o dia? – sussurrou Jane La Garde. – A rainha perguntou por si e não consegui

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