assemelhava-se àquele que ela tentara, com todas as suas forças, esquecer.
Em vão.
Quando entrou, o papagaio palrou uma saudação.
Ela fitou-o com desconfiança, pois por vezes parecia que o pássaro sabia tudo o que lhe
passava pela mente.
- Nada digas, pássaro. Na verdade, talvez seja melhor arranjar-te outro lar, pois todos os
dias a tua presença me lembra quem não posso ter.
Deu um passo em direção à gaiola. O pássaro observava-a com receio. E depois, como uma
avestruz que ao esconder a cabeça na areia se julga invisível, enfiou a cabeça debaixo da asa e
manteve-se calado.
De manhã cedo, depois da missa na capela da rainha, Frances viajou pelo rio até à loja de
uma tal Viúva Wyatt, em St. Mary le Bow; tratava-se de uma velha conhecida da sua ama, em
quem a venerável senhora depositava uma confiança bem maior do que em qualquer boticário.
A viúva, explicou-lhe a ama, tomara conta do negócio quando o marido morrera e geria-o
com mais sabedoria e conhecimento do que qualquer profissional masculino do mesmo ramo,
para desagrado da Guilda de Boticários, que afirmava que, ainda que uma mulher pudesse
compreender ervas e poções, nunca seria capaz de dominar as proporções numéricas exatas que
a verdadeira vocação de um boticário exigia.
Frances reconheceria a botica, dissera-lhe a ama, pelo símbolo de um unicórnio que tinha no
exterior.
Ela ia olhando para as tabuletas. Viu uma com um Cupido e uma tocha, indicando um
vidraceiro; um Jack-in-the-green^19 que pertencia a um destilador; e, ao lado, um berço, o
símbolo de um cesteiro – mas nenhum unicórnio.
Por fim, encontrou-o, ao fundo da rua. A loja era pequena mas, ao contrário das que a
rodeavam, meros balcões com alpendres abertos, a montra da viúva estava fechada. As paredes
do fundo exibiam jarrões com nomes em latim e havia um cheiro forte mas não desagradável a
aloé e ervas. Frascos com pós alinhavam-se sobre o balcão, etiquetados com termos como
«Essência de Haste de Veado», «Corno de Unicórnio», «Pérolas» e «Marfim». A um canto, um
aprendiz estava a moer tutia.
Quando Frances descreveu à Viúva Wyatt o que pretendia, a velhota riu-se.
- Destina-se a uma rival amorosa? – perguntou, rindo-se. – Se assim é, porá fim a quaisquer
inclinações amorosas, não tenho dúvidas!
Apertaram as mãos. Ficou combinado que o aprendiz da viúva entregaria a encomenda à
condessa naquela noite, na casa dos Shrewsbury.
Frances estava prestes a partir quando se lembrou de um último pormenor: - Junte uma nota a dizer que é uma prenda de um admirador apaixonado. Isso instigará a
vaidade da dama. – Sorriu à viúva. – Não que precise de muito estímulo.
Durante toda a sua vida, Frances acostumara-se a ver Mall como uma espécie de mãe, de
irmã e de exemplo. Mall, a destemida; Mall, a autora de poesia libertina; Mall, a Borboleta
levada à presença do rei Carlos I; Mall, a grande dama da corte, tão importante que podia