na rua abateu-se sobre a cidade e, com o frio, havia geadas severas e ventos fortíssimos. As
Listas de Defuntos não revelavam mais mortes provocadas pela peste e a cidade suspirou de
alívio e retomou a normalidade ao comprar, vender e produzir mercadorias, assim como encher
as cervejarias com boa disposição.
O inverno progrediu até ao Natal, embora os doze dias de festejos tivessem sido esbatidos
nesse ano. Janeiro passou e logo a dureza de fevereiro se lhe seguiu. Na corte, voltava-se a falar
dos odiados Holandeses, se haveria ou não guerra e, entre as damas de companhia, o tema era o
Dia de São Valentim.
As damas apreciavam a tradição de tirar o nome de um cavalheiro de um chapéu e de esperar
que ele as regalasse com prendas e símbolos amorosos. Era o dia do ano em que uma dama
poderia aceitar um presente de qualquer cavalheiro sem que tal fosse considerado impróprio.
Catherine Boynton recebeu uma dúzia de pares de luvas e Jane três pares de meias de seda.
- Que sorte a da Jane – comentou Cary Frazier num tom invejoso. – Um par de meias de seda
custa quinze xelins no Mercado Real! E ele ainda lhe deu ligas.
Fez uma careta, obviamente convicta de que deveria ter sido ela, e não a simples Jane La
Garde, a receber um presente tão sofisticado. - E o que lhe deu o seu Valentim, conte, Mistress Frazier? – perguntou Jane La Garde com
doçura. - Saiu-me o boticário da rainha – queixou-se Cary. – E será que me deu algum presente raro e
valioso? Óleo de raposa? Ou um frasquinho de cera pura? – Encolheu os ombros, depreciativa. - Só me ofereceu esta insignificante bolsa de pólen de flores, que ele diz que as damas
francesas prezam muito para aplicarem no rosto. Ora! Isto eu poderia ter arranjado no verão. –
Olhou de esguelha para Frances. – E a senhora, Mistress Stuart. Quem é o seu Valentim?
A condessa de Suffolk, a camareira-mor, fitou-a com um ar severo. - Não sabia, senhora? – Havia uma certa satisfação na sua voz. – O rei escolheu ser o
Valentim de Mistress Stuart.
Antes que Cary pudesse reagir, ouviu-se o som de trombetas e todas se levantaram e
recuaram, formando inconscientemente duas linhas paralelas que terminavam em Frances. - Mistress Stuart – saudou o rei, numa vénia profunda para corresponder à cortesia de
Frances. – Desejo que tenha um dia feliz e rogo-lhe que aceite esta pequena ninharia.
Entregou-lhe uma bolsa de veludo roxo.
Frances aceitou-a e segurou-a ao lado do corpo. - Então, abra-a. – O monarca estava muito entusiasmado, como um rapazinho que tivesse
comprado uma bagatela à amada e ansiasse por ver o prazer e a aprovação dela.
Frances desfez o laço e retirou da bolsa um par de brincos com as pérolas maiores e mais
reluzentes que ela alguma vez vira. - Vossa Majestade – começou ela, estendo a mão com os brincos –, não posso aceitar uma
prenda tão valiosa. - Claro que pode – Carlos afastou-lhe a mão, a rir-se. – A beleza merece adornos à altura.
Para além disso, o parlamento julga que me dá dinheiro e que eu o esbanjo com as minhas