Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

dos galãs embriagados que usavam os seus serviços e fugiam sem pagar, a mísera recompensa
dos barqueiros devotados ao serviço público e a organização incompetente da guerra contra os
Holandeses, terminando com o boato de que o rei já teria abandonado Londres, deixando-os ali
à mercê da morte.



  • Quanto a isso, barqueiro – comentou Frances num tom ríspido –, saímos da corte há meia
    hora, com o rei bem-humorado e ao comando.

  • Pois – resmungou o homem entre dentes –, por ora. Ouçam o que vos digo, fugirão como
    ratos de um navio a afundar-se antes de o calor do verão chegar. Não há dúvida, os teatros não
    tardarão a fechar por causa da peste e isso será o fim do meu negócio. Aqui estão, senhoras, o
    vento estava a nosso favor, eis a doca e as escadas de Pudding. São quatro pence e têm direito a
    uma prece de graça!
    Desembarcaram e subiram as escorregadias escadas de madeira, encaminhando-se para norte
    em direção a Paternoster Row. As diferenças desde a última vez que saíra do palácio eram
    visíveis. Agora todos caminhavam pelo meio da estrada, não obstante a lama e o lodo dos
    canais cheios de excrementos, receando passar perto das casas. A cidade de Londres continuava
    a salvo dos tapumes que se viam em Convent Garden e St. Giles, protegida por enquanto pelas
    suas altas muralhas. Contudo, o medo pairava no ar. Os comerciantes haviam passado a lavar o
    dinheiro em vinagre, como antes fazia o barqueiro, chegando alguns a transportá-lo em varas
    compridas para manterem uma distância segura dos clientes. Muitos mascavam tabaco, cujas
    capacidades preventivas da peste eram muito anunciadas, ou alho, enquanto outros levavam
    flores ou cheiravam muito a vinagre, por terem aspergido as roupas com ele.
    Paternoster Row, perto da grande catedral de São Paulo, outrora famosa por fazer contas e
    rosários, passara a abrigar dezenas de mercadores, vendedores de sedas e de rendas. Apesar do
    receio do contágio, a rua sombria e estreita estava cheia de carruagens da pequena nobreza que
    quase bloqueavam a estrada, enquanto os cocheiros ocupavam o tempo a trocar insultos e a
    desejar que os seus amos acabassem as compras e regressassem, para poderem recolher-se à
    segurança dos seus lares.
    Ao fundo da rua divisaram o símbolo do que procuravam, a ambicionada tabuleta com uma
    mão e uma tesoura que indicava a loja de um alfaiate.
    Estava muito na moda que as damas da corte encomendassem os seus fatos de montar, não a
    costureiras mas a alfaiates e, na verdade, aqueles fatos feitos à medida eram a inveja de todos.
    Até as senhoras francesas, que desprezavam tudo o resto naquele país, iam a Inglaterra para
    adquirir fatos de montar. A moda ditava gibões justos como os dos homens, em brocado
    vermelho, embelezados com fio de ouro, usados sobre um colete, fechado no pescoço com uma
    cascata de renda de Bruges – sendo o fato completado com saias longas que podiam ser
    drapeadas para montar à amazona e com chapéus tricornes ou toucas de veludo adornadas com
    fitas ou penas. Algumas damas usavam perucas sob os chapéus, o que suscitava críticas
    escandalizadas, pois, da cintura para cima, poderiam ser confundidas com homens.
    O fato de montar que a duquesa de Richmond apalavrara era de um tom particularmente
    vibrante de vermelhão, tão garrido, na verdade, que quase tiveram de proteger os olhos quando

Free download pdf