A Garota Inglesa

(Carla ScalaEjcveS) #1

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TVER OBLAST, RÚSSIA


Bastaram dois minutos no lago. Depois disso, não houve mais
nenhuma afirmação de inocência, nenhuma ameaça de que, em breve, a
FSB chegaria. Resignado ao seu destino, Zhirov se tornou um prisioneiro-
modelo. Apresentou apenas um pedido: que fizessem algo a respeito de sua
aparência. Como a maior parte dos espiões, tinha passado a vida evitando
câmeras e não queria fazer a estreia parecendo o perdedor de uma luta de
boxe.
Na comunidade de inteligência, há uma verdade dada como certa:
ao contrário da crença popular, a maioria dos espiões gosta de falar,
especialmente em meio a circunstâncias que tomam suas carreiras
irrecuperáveis. Nessa situação, fazem os segredos jorrarem, mesmo se for
apenas para provar a si mesmos que eles foram mais do que uma simples
engrenagem na máquina secreta, que foram importantes, mesmo que não
tenham sido.
Portanto, Gabriel não se surpreendeu quando Zhirov, depois de se
recuperar do mergulho no lago, assumiu subitamente uma atitude
verborrágica. Vestido com roupas secas, aquecido pelo chá doce e por um
gole de uísque, começou o relato não com Madeline Hart, mas consigo
mesmo. Ele tinha sido um filho da nomenklatura, a elite comunista da União
Soviética. Seu pai fora um oficial de alto escalão no Ministério Soviético das
Relações Exteriores sob o comando de Andrei Gromyko; isso significava que
Zhirov tinha estudado em escolas especiais reservadas para as crianças da
elite e que podia fazer compras em lojas especiais do Partido que vendiam
bens de luxo, com os quais a maioria dos cidadãos soviéticos conseguia
apenas sonhar. E também havia o luxo quase inaudito das viagens ao
exterior. Zhirov passou boa parte da infância fora da União Soviética,
principalmente nos estados vassalos do Leste Europeu que compunham a
área de especialização do pai — embora, certa vez, ele tenha ficado seis
meses em Nova York quando o pai trabalhou nas Nações Unidas. Zhirov
odiava a cidade americana, pois, como criança leal ao Partido, fora criado e
educado para detestá-la.
— Nós não víamos a riqueza e a ganância dos Estados Unidos como
algo a ser imitado. Para nós, eram elementos que podíamos usar contra os
americanos para destruí-los.

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