A Garota Inglesa

(Carla ScalaEjcveS) #1

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MARSELHA


Quando Gabriel e Keller chegaram a Marselha no começo da manhã
seguinte, o Moondance estava amarrado no ponto de sempre no Velho
Porto, ostentando seus 42 pés de puro poder de contrabando. O dono, no
entanto, não estava à vista. Keller montou um posto estático de observação
no lado norte e Gabriel ficou a leste, na frente de uma pizzaria que,
inexplicavelmente, tinha o nome de uma região chique de Manhattan. A
cada hora eles mudavam de posição, mas no fim da tarde ainda não havia
sinal de Lacroix. Por fim, ansioso com a perspectiva de um dia perdido,
Gabriel percorreu o perímetro do porto, passou pelos vendedores de peixe
em suas bancas de metal e se juntou a Keller no Renault. O tempo estava
piorando: chuva pesada, um vento frio vindo das colinas. Keller ligava os
limpadores em intervalos de alguns segundos para manter o para-brisa
transparente. O degelador ofegava fracamente contra o vidro embaçado.
— Você tem certeza de que ele não possui apartamentos na cidade?
— perguntou Gabriel.
— Ele mora no barco.
— E quanto a mulher?
— Ele tem várias, mas nenhuma consegue tolerar sua presença por
muito tempo. — Keller limpou o para-brisa com o dorso da mão. — Talvez
possamos ficar num hotel.
— Não acha um pouco cedo? Afinal, acabamos de nos conhecer.
— Você sempre faz piadas cretinas durante as operações?
— É um mal cultural.
— Piadas cretinas ou operações?
— Ambos.
Keller pegou um guardanapo do porta-luvas e fez o melhor que
pôde para consertar a bagunça que tinha feito no para-brisa.
— Minha avó era judia — comentou ele casualmente, como se
admitisse que sua avó gostava de jogar bridge.
— Parabéns.
— Outra piada?
— O que você quer que eu diga?

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