A Marca do Assassino

(Carla ScalaEjcveS) #1

encontrar bons homens para o ajudar com o trabalho, mas o francês recusou
educadamente. Substituiu os eletrodomésticos da cozinha e colocou um novo
balcão de cerâmica. Repintou todo o interior. Retirou a mobília velha (móveis
modernos pavorosos) e encheu as divisões com cadeiras e mesas rústicas gregas.
Em Março, quando o tempo aqueceu, virou a atenção para o exterior. Disfarçou
rachas nas paredes e deu-lhes uma demão de cal reluzente. Substituiu as telhas
partidas no telhado e as pedras partidas no terraço. A meio de Abril, a villa que
ninguém queria era a mais bonita da aldeia.
A bicicleta de corrida italiana chegou nessa mesma semana. Todas as
manhãs, pedalava pelas estradas sinuosas da costa e subia e descia as colinas
íngremes no centro da ilha. Gradualmente, à medida que os dias aumentavam, ia
passando cada vez mais tempo na aldeia. Regateava o preço das azeitonas, do arroz
e do borrego no mercado. Algumas tardes por semana, almoçava na taberna,
sempre com um livro como proteção. Às vezes, comprava robalo grelhado aos
rapazes na praia e comia o peixe sozinho, numa gruta, onde brincavam focas
cinzentas. Aventurou-se a entrar na garrafeira. De início, bebia apenas vinhos
franceses e italianos mas, passado algum tempo, desenvolveu um gosto por
variedades gregas baratas. Quando o empregado sugeria colheitas mais
dispendiosas, o francês abanava a cabeça e devolvia a garrafa. As renovações,
explicava ele, tinham-lhe dado um rombo nas finanças.
Ao princípio, o seu grego era limitado, algumas frases desconexas, um
sotaque vago, difícil de identificar. Mas extraordinariamente no espaço de dois
meses, conseguia tratar dos seus assuntos num grego aceitável com o sotaque de
um ilhéu.
As mulheres da aldeia faziam avanços suaves, mas ele não possuía
qualquer amante. Só tinha duas visitas: um pequeno inglês com olhos da cor da
água do mar invernal e uma deusa mulata que apanhava banhos de sol nua em
Maio. O inglês e a deusa ficaram três dias. Todas as noites jantavam no terraço, já a
noite ia avançada.
Em maio, começou a pintar. De início, só conseguia segurar nos pincéis
durante alguns minutos de cada vez, devido à cicatriz na mão direita. Depois
devagar, gradualmente, a cicatriz deixou de repuxar e ele era capaz de trabalhar
várias horas de seguida. Durante muitas semanas, pintou os cenários em redor da
villa: as paisagens marítimas, os aglomerados de casas caiadas, as flores nas
encostas, os anciãos a beber vinho e a comer azeitonas na taberna. A villa refletia as
cores em mutação de cada dia que passava: um cor-de-rosa empoeirado da aurora,
um castanho-avermelhado filtrado do crepúsculo que levou semanas de pacientes
experiências para recriar na sua paleta.

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