BRÉLÉS, FRANÇA
Adoptara o nome Jean-Paul Delaroche, mas na aldeia o chamavam Le
Solitaire. Ninguém se lembrava ao certo da altura em que chegara e se instalara no
anexo de pedra de um chalé que se erguia no extremo de um penedo escarpado
com vista para o Canal da Mancha. Monsieur Didier, o dono de rosto vermelho da
principal loja da aldeia, acreditava que o estranho enlouquecera com o vento. No
promontório isolado, o vento era poderoso e incessante. Fazia estremecer dia e
noite as janelas pesadas do chalé e arrancava telhas sistematicamente. No rescaldo
das grandes tempestades, os transeuntes podiam ver Le Solitaire a contemplar os
estragos com impaciência.
─ Até parece o Rommel a inspecionar a sua preciosa Muralha do Atlântico
─ sussurrava Didier com um esgar desdenhoso, enquanto tomavam cognac no café.
Seria um escritor? Um revolucionário? Um ladrão de arte ou um padre caído em
desgraça? Mademoiselle Plauché, da charcuterie, acreditava que fosse o último
descendente do povo megalítico, que vivera na Bretanha milênios antes dos Celtas.
Por que outro motivo passaria os dias em comunhão com as pedras vetustas? Por
que razão passaria horas sentado, a contemplar o mar a fustigar as rochas?
Chamar-se-ia Delaroche se assim não fosse? Já lá estivera, concluía por fim, a faca a
pairar sobre uma roda de Camembert. Está a recordar como as coisas eram.
Os homens tinham inveja dele. Os mais velhos invejavam as belas
mulheres que chegavam ao chalé uma a uma, permaneciam durante algum tempo e
depois partiam discretamente. Os rapazes cobiçavam a bicicleta de corrida italiana
feita por encomenda, com que ele, qual demônio, percorria todos os dias as
estreitas estradas secundárias da Finistère. As mulheres, até as moças e as idosas,
achavam-no belo: o cabelo bastante curto salpicado de grisalho, a pele branca, os
olhos de um azul cristalino, o nariz aquilino que poderia ter sido esculpido por
Michelangelo.
Não era alto, tinha bem menos de um metro e oitenta, mas, ao deslocar-se
pela aldeia todas as tardes, quando fazia as suas compras, ostentava uma pose
imponente. Na boulangerie, Mademoiselle Trevaunce procurava em vão meter
conversa sempre que ele entrava na loja, mas Delaroche limitava-se a sorrir e a
escolher educadamente o pão e os croissants. Na garrafeira, era reconhecido como
um cliente refinado, mas frugal. Quando Monsieur Rodin sugeria uma garrafa mais
cara, Delaroche erguia as sobrancelhas para mostrar que se encontrava além do seu
alcance, e devolvia-a com cuidado.