empurrou a bicicleta ao longo do caminho, bebendo os restos do café au lait
enquanto andava. Já na praia, encostou a bicicleta a uma pedra grande e caminhou
pela linha de água, a fumar um cigarro.
O ponto da sinalização era uma grande excrescência de pedra a cerca de
duzentos metros do local onde deixara a bicicleta. Andou com lentidão, sem rumo,
sempre a olhar o mar que lambia a areia. Uma onda grande rebentou na praia.
Delaroche afastou-se rapidamente para evitar a água gélida. Terminou o cigarro,
atirou a beata para a sua frente e enterrou-a na areia branca com a ponta do sapato
de ciclismo.
Parou de andar e acocorou-se junto à base da pedra. Lá estava a marca, duas
tiras de adesivo cirúrgico brancas como a cal, dispostas num X grosseiro. Qualquer
profissional imaginaria que quem deixara a marca fora treinado na arte do KGB, o
que era o caso.
Delaroche arrancou o adesivo da pedra, formou uma bola com ele e atirou-a
para a carqueja que acompanhava a praia. Regressou à bicicleta e pedalou de volta
a Brélés debaixo do sol luminoso.
Ao meio-dia o tempo continuava bom, por isso Delaroche decidiu pintar.
Vestiu calças de ganga e uma grossa blusa de pescador e carregou o material na
caixa da Mercedes: o cavalete, uma máquina fotográfica Polaroid, a caixa de tintas e
pincéis. Regressou à casa e fez café, que despejou para dentro de uma garrafa
térmica de metal brilhante. Da geladeira tirou duas garrafas grandes de Beck's e
voltou a sair. Conduziu até a aldeia e estacionou à frente da charcuterie. Aí
comprou presunto, queijo e um pedaço do patê bretão local, com Mademoiselle
Plauché sempre a namoriscar visivelmente com ele. Saiu da loja, acompanhado
pelo tilintar do pequeno sino preso à porta, e dirigiu-se à boulangerie, de onde
trouxe uma baguette.
Dirigiu-se para o interior, onde o agreste terreno rochoso da costa dava
lugar a colinas arborizadas mais amenas, à medida que penetrava na Finistère.
Entrou numa estrada secundária sem sinalização, a qual percorreu durante três
quilômetros, até que se transformou num caminho esburacado. A Mercedes
agitava-se freneticamente mas, minutos depois, chegou ao seu destino, uma antiga
casa de quinta de pedra, imaginava que do século XVII, enquadrada perante um
conjunto de árvores esplêndidas, com folhas de tons rubi e dourado. Delaroche
fazia quase tudo de forma lenta e cuidadosa, e preparar-se para pintar não era
exceção. Retirou metodicamente os apetrechos da caixa da Mercedes, ao mesmo
tempo que abarcava a vista da casa. A luz outonal evidenciava os contrastes no
trabalho de alvenaria da casa e nas árvores mais atrás.
Capturar no papel a qualidade da luz seria um desafio.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1