A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

só muçulmanos podiam ser cidadãos argelinos — ele pausou, depois perguntou: —
Você consegue imaginar se tivéssemos feito a mesma coisa? O que teriam dito de nós?
Novamente, Natalie não emitiu julgamento.
— Mais de cem mil judeus foram basicamente expulsos para o exílio. Alguns vieram
para Israel. Os outros, como sua família, escolheram a França. Assentaram-se em
Marselha, onde você nasceu em 1984. Tanto seus avôs quanto seus pais falavam o dialeto
argelino do árabe, além de francês, e você também aprendeu a falar árabe na infância —
ele olhou, através do vale, para a vila encarapitada no morro. — Isso é outra coisa que
nós temos em comum. Eu também aprendi a falar um pouco de árabe quando criança.
Era o único jeito de me comunicar com nossos vizinhos da tribo de Ismael.
Durante muitos anos, continuou Gabriel, a vida foi boa para o clã Mizrahi e para o
resto dos judeus da França. Com vergonha do Holocausto, os franceses mantiveram
guardado seu tradicional antissemitismo. Mas aí a população do país começou a mudar.
O tamanho da comunidade muçulmana na França explodiu e eclipsou a pequena e
vulnerável comunidade judaica, e o antigo ódio voltou com tudo.
— Sua mãe e seu pai já tinham visto esse filme antes, quando eram crianças na
Argélia, e não iam esperar pelo fim. Assim, pela segunda vez na vida, eles fizeram as
malas e fugiram, dessa vez para Israel. E você, depois de um período de indecisão
prolongada, decidiu se juntar a eles.
— Tem mais alguma coisa que você gostaria de me contar sobre mim mesma?
— Desculpe, Natalie, mas é que estamos observando você há algum tempo. É um
hábito que temos. Nosso serviço está constantemente procurando jovens imigrantes
talentosos e turistas judeus no nosso país. A diáspora — terminou ele, com um sorriso
— tem suas vantagens.
— Quais?
— Idiomas, por exemplo. Fui recrutado porque falava alemão. Não alemão de sala de
aula ou de audiocursos, mas alemão de verdade, com o sotaque berlinense da minha
mãe.
— Suponho que você também soubesse usar uma arma.
— Não muito bem, na verdade. Minha carreira nas Forças de Defesa de Israel foi
desinteressante, para não dizer outra coisa. Eu era bem melhor com um pincel do que
com uma arma. Mas isso não tem importância — argumentou. — O que eu realmente
quero saber é por que você relutou em vir para Israel.
— Eu considerava a França minha casa. Minha carreira, minha vida — completou —
era na França.
— Mas veio mesmo assim.
— Sim.
— Por quê?
— Não quis ficar longe dos meus pais.
— Você é uma boa filha?
— Sou a única filha.

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