A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

agora, sozinha no carro novamente, com a luz dourada de fim de tarde e o ar quente
entrando pelas janelas abertas, Dina estava livre para contemplar Natalie à vontade. A
linha do maxilar, os lindos olhos castanhos, o nariz longo e fino, os seios pequenos e
empinados, os ossos delicados dos pulsos e das mãos — mãos capazes de salvar uma
vida, pensou Dina, ou de consertar uma perna arrancada por uma bomba terrorista. A
beleza de Natalie não era de virar cabeças ou parar o trânsito. Era inteligente, digna, até
devota. Podia ser escondida, disfarçada. E talvez, pensou Dina, pudesse ser usada.
Não pela primeira vez, ela se perguntou por que Natalie não era casada nem tinha
algum companheiro significativo. Os investigadores do Escritório não tinham
descoberto nada que sugerisse que ela não era adequada para trabalhar como agente
secreto. Não tinha vícios, exceto um apreço por vinho branco, nem doenças físicas ou
emocionais fora a insônia, causada pela irregularidade dos horários de trabalho. Dina
sofria do mesmo problema, mas por razões diferentes. À noite, quando o sono
finalmente chegava, ela via sangue pingando de cinamomos; e via sua mãe, reconstruída
a partir de seus restos arrancados, remendada e costurada, chamando-a da porta aberta
do ônibus Número Cinco; e via Abdel Rahim al-Souwi, uma mochila a seus pés,
sorrindo para ela de seu assento atrás do motorista. Era uma de suas melhores, ou, pelo
menos, foi o que ele disse...Sim, pensou Dina novamente, ela daria qualquer coisa para
estar no lugar de Natalie.
Natalie não tinha levado nada do bangalô a não ser o hijab, que estava amarrado em
seu pescoço como uma echarpe. Estava olhando o sol baixo sobre o Monte Carmel e
ouvindo com atenção as notícias do rádio. Houvera outro esfaqueamento, outra
fatalidade, desta vez nas ruínas romanas de Cesareia. O culpado era um árabe-israelense
de uma vila localizada dentro do canto do país conhecido como Triângulo, ocupado
principalmente por palestinos. Ele não receberia cuidados urgentes dos médicos do
Hadassah; um soldado israelense o tinha matado com um tiro. Em Ramallah e Jericó
houve júbilo. Outro mártir, outro judeu morto. Deus é bom. Logo, a Palestina estaria
livre novamente.
Vinte quilômetros ao sul de Cesareia ficava Netanya. Novas torres de apartamentos,
brancas e com varandas, se erguiam das dunas e dos penhascos ao longo da beira do
Mediterrâneo, dando à cidade o ar de opulência da Riviera. Os bairros interiores, porém,
guardavam as construções Bauhaus de arenito cáqui dos primórdios de Israel. Dina
encontrou uma vaga na rua em frente ao Park Hotel — onde um homem-bomba do
Hamas assassinara trinta pessoas durante a Páscoa Judaica de 2002 — e caminhou com
Natalie até a Praça da Independência. Um esquadrão de garotos brincava de pega-pega
observado por mulheres vestidas com saias na altura do tornozelo e lenços na cabeça. As
mulheres, como as crianças, estavam falando francês, bem como os habitués, visitantes
assíduos dos cafés ao longo da esplanada. Em geral, eles ficavam lotados no fim da tarde,
mas, agora, à luz fulva que esmaecia, havia várias mesas disponíveis. Soldados e policiais
mantinham guarda. O medo, pensou Dina, era palpável.
— Está vendo eles?

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