A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

E


NORTE DA FRANÇA

ra uma história muito familiar — uma história de desilusão e descontentamento, de
necessidades não atendidas, de esperanças financeiras e maritais frustradas, de raiva
contra os americanos e os judeus por conta do que percebiam como a crueldade com os
muçulmanos. Metade dos jihadistas do mundo poderia ter contado a mesma história; era,
pensou Gabriel, um território comum. Sim, havia algumas poucas mentes brilhantes e
jovens de boas famílias na alta hierarquia do movimento jihadista global, mas os
soldados e as buchas de canhão eram, em sua maioria, perdedores radicais. O islã
político era sua salvação, e o ISIS, seu paraíso. O ISIS dava propósito a almas perdidas
e prometia uma vida após a morte de eterna cópula para aqueles que morriam pela causa.
Era uma mensagem poderosa, para a qual o Ocidente não tinha antídoto.
A versão de Nabil Awad começava em Irbid, onde o pai dele cuidava de uma barraca
no mercado central. Nabil era um aluno diligente e, após se formar no ensino médio, foi
admitido na University College de Londres. Era 2011, a Síria estava queimando e os
muçulmanos britânicos, fervendo. Não mais sob a pressão do Mukhabarat jordaniano,
Nabil rapidamente começou a se associar com islamitas e radicais. Ele rezava na mesquita
ao leste de Londres e se juntou à filial londrina do Hizb ut-Tahrir, organização islâmica
sunita que apoiava a ressurreição do califado muito antes de alguém ter ouvido falar de
um grupo chamado ISIS. O Hizb, como era conhecido informalmente, estava ativo em
mais de 15 países e contava com mais de um milhão de seguidores. Um deles era um
jordaniano de Amã chamado Jalal Nasser, que Nabil Awad conheceu durante uma
reunião do Hizb no distrito de Tower Hamlets, também no leste de Londres. Jalal
Nasser já tinha cruzado a fronteira — a fronteira entre islamismo e jihadismo, entre
política e terror. Em pouco tempo, levou Nabil Awad com ele.
— Quando exatamente você o conheceu? — perguntou Fareed.
— Não lembro.
— É claro que lembra, habibi.
— Foi na primavera de 2013.
— Sabia que você conseguiria — disse Fareed, com um sorriso paternal. Ele
removera as amarras dos pulsos de Nabil Awad e dera a ele uma xícara de chá açucarado
para manter sua energia. Fareed também estava bebendo chá — e fumando, o que Nabil
Awad, um salafista, não aprovava. Gabriel já não estava presente; ele assistia a uma
transmissão em vídeo do interrogatório em um laptop no cômodo adjacente, junto aos
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