O árabe de Safia era rudimentar, no máximo. Portanto, passaram a viagem
conversando baixo em francês, cada uma embaixo da tenda privativa de seu abaya.
Falaram sobre sua criação e descobriram ter pouco em comum; sendo filha de palestinos
cultos, Leila Hadawi teve uma vida muito diferente da de uma filha de trabalhadores
argelinos das banlieues. O islã era sua única ponte, mas Safia não entendia quase nada dos
dogmas do jihad ou mesmo dos princípios básicos da prática islâmica.
Ela admitiu que sentia falta do gosto do vinho francês. Mais do que tudo, tinha
curiosidade de saber como era lembrada no país que atacara — não na França dos
centros das cidades e das vilas do interior, mas na França árabe das banlieues. Natalie
contou para ela, com sinceridade, que nas cités de Aubervilliers falavam dela com afeto.
Safia ficou contente. Um dia, disse, esperava voltar.
— Para a França? — perguntou Natalie, incrédula.
— Sim, claro.
— Você é a mulher mais procurada do país. Não tem como.
— É porque a França ainda é governada pelos franceses, mas Saladin diz que vai
fazer parte do califado em breve.
— Você o conheceu?
— Saladin? Sim, conheci.
— Onde? — perguntou Natalie, casualmente.
— Não tenho certeza. Eles me vendaram durante a viagem.
— Há quanto tempo foi?
— Algumas semanas depois da minha operação. Ele queria me parabenizar
pessoalmente.
— Dizem que é iraquiano.
— Não tenho certeza. Meu árabe não é bom o suficiente para saber a diferença entre
um sírio e um iraquiano.
— Como ele é?
— Muito grande, poderoso, olhos maravilhosos. Ele é tudo o que se poderia
esperar. Inshallah você o conheça algum dia.
A chegada de Safia ao campo foi ocasião para um tiroteio comemorativo e gritos de
“Allahu Akbar!”. Natalie, a nova recruta, ficou em segundo plano. Colocaram-na em um
quarto individual — os antigos aposentos de um oficial sírio júnior — e, naquela noite,
após as rezas, ela fez sua primeira refeição no refeitório comunal. As mulheres comiam
separadas dos homens por uma cortina preta. A comida era deplorável, mas farta: arroz,
pão, alguma espécie de ave assada, um ensopado marrom-acinzentado de carne
cartilaginosa. Mesmo com a separação, as mulheres tinham de usar os abayas durante as
refeições, o que tornava o ato de comer um desafio. Natalie comeu vorazmente o pão e o
arroz, mas seu treinamento como médica a fez tomar a decisão de evitar a carne. A
mulher à sua esquerda era uma saudita silenciosa chamada Bushra. À sua direita estava
Selma, uma tunisiana tagarela. Selma viera ao califado por causa de um marido, mas o
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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