A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

médico durante meses. E quem melhor para cuidar dele do que a mulher que salvara sua
vida?
Ele se referia a ela como Maimônides, e ela, sem ter outro nome para ele, o chamava
de Saladin. Não se tornaram amigos nem confidentes, longe disso, mas um laço se
formou entre eles. Ela jogava com ele o mesmo jogo que jogara com Abu Ahmed, o
jogo de adivinhar o que ele tinha sido antes de a invasão americana derrubar o Iraque.
Ele era, obviamente, inteligentíssimo e estudante de história. Durante uma das
conversas, ele disse a ela que estivera em Paris muitas vezes — não contou por quais
motivos — e que falava francês mal, mas com muito entusiasmo. Falava inglês também,
muito melhor do que francês. Talvez, pensou Natalie, ele tivesse frequentado uma escola
particular inglesa ou uma academia militar. Tentou imaginá-lo sem o cabelo selvagem e a
barba. Vestiu-o com um terno ocidental, mas não ficava bem. Então, colocou um
uniforme verde-oliva, e caiu melhor. Quando adicionou um bigode grosso do tipo
usado por seguidores de Saddam, a imagem ficou completa. Saladin, decidiu, fora um
policial secreto ou espião. Por essa razão, ela sempre tinha medo em sua presença.
Saladin não era um jihadista inflamado. O islã, para ele, era político, uma ferramenta
com a qual ele pretendia redesenhar o mapa do Oriente Médio. A região seria dominada
por um enorme Estado sunita, que iria de Bagdá à Península Arábica e atravessaria o
Levante e o Norte da África. Ele não fazia sermões nem cuspia veneno ou recitava versos
do Corão ou ditados do profeta. Era inteiramente sensato, o que o tornava ainda mais
assustador. A liberação de Jerusalém, disse, era prioridade em sua pauta. Seu desejo era
orar no Nobre Santuário pelo menos uma vez antes de morrer.
— Você já foi, Maimônides?
— Para Jerusalém? Não, nunca.
— Sim, eu sei. O Abu Ahmed me contou.
— Quem?
Ele acabou contando que fora criado em uma aldeia pobre no Triângulo Sunita do
Iraque, apesar de ter feito questão de não dizer o nome da aldeia. Juntara-se ao Exército
iraquiano, algo não muito surpreendente em uma terra de serviço militar obrigatório, e
lutara na longa guerra contra os iranianos, aos quais sempre se referia como persas e
rafidas. Os anos entre a guerra contra o Irã e a primeira Guerra do Golfo passaram em
branco; ele mencionou algo sobre trabalhar para o governo, mas não explicou. Porém,
quando falou sobre a segunda guerra contra os americanos, a guerra que destruiu o
Iraque como ele o conhecia, seus olhos brilharam de raiva. Quando os americanos
desmontaram o Exército iraquiano e tiraram todos os membros do Partido Baath de
seus postos de governo, ele foi mandado para a rua junto com milhares de outros
iraquianos majoritariamente sunitas. Uniu-se à resistência secular e, mais tarde, à
organização terrorista al-Qaeda no Iraque, onde conheceu e ficou amigo de Abu Musab
al-Zarqawi. Diferentemente de Zarqawi, que adorava seu papel de estrela do terrorismo,
como Bin Laden, Saladin preferia manter um perfil mais discreto. Saladin, não Zarqawi,

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