— O que ele tem desta vez?
Ela deu de ombros:
— Seu pai, seu abba, está ficando velho, Gabriel.
Para a família Allon, sair de casa não era tarefa simples. As cadeirinhas de carro das
crianças tinham de ser afiveladas no banco traseiro da SUV de Gabriel, e um veículo
extra tinha de ser adicionado ao comboio. Todos os automóveis se arrastaram pelo Bab
al-Wad na hora do rush, aceleraram para o norte pela Planície Costeira e então correram
para o oeste atravessando a Galileia. O casarão cor de mel de Shamron ficava no topo de
um penhasco pedregoso com vista para o lago. Na base da entrada para carros, havia
uma pequena guarita onde um destacamento de segurança mantinha vigilância atrás de
um portão de metal. Era como entrar em uma base militar numa terra hostil.
Faltavam precisamente três minutos para o pôr do sol quando o comboio parou
ruidosamente na entrada do casarão. Gilah Shamron estava esperando na escada,
batucando no relógio de pulso para indicar que faltava pouco se eles quisessem acender
as velas a tempo. Gabriel carregou as crianças para dentro, enquanto Chiara levava a
comida que passara a tarde preparando. Gilah também passara o dia cozinhando. Havia
o suficiente para alimentar uma multidão.
A descrição de Chiara sobre a saúde frágil de Shamron deixara Gabriel esperando o
pior, e ele ficou profundamente aliviado ao encontrar Shamron parecendo bastante bem.
Aliás, o estado dele até dava sinais de ter melhorado desde a última vez que Gabriel o
vira. Ele estava vestido, como sempre, com uma camisa de algodão e calças cáqui bem
passadas, mas hoje tinha adicionado um cardigã azul-marinho para se proteger do frio
de novembro. Pouco sobrara de seu cabelo, e a pele estava pálida e transparente, mas os
olhos azuis brilharam atrás dos óculos de aço feios quando Gabriel entrou com uma
criança em cada braço. Shamron levantou as mãos cheias de manchas senis — mãos
grandes demais para um homem tão pequeno — e, sem apreensão, Gabriel confiou
Raphael a ele. Shamron segurou a criança como se fosse uma granada viva e sussurrou
um monte de bobagens no ouvido dela com um sotaque polonês desagradável. Quando
Raphael soltou uma gargalhada, Gabriel ficou imediatamente feliz por ter vindo.
Ele fora criado em uma casa sem religião, mas, como sempre, quando Gilah
aproximou dos olhos a luz das velas do Sabbath e recitou a bênção, pensou que era a
coisa mais linda que já tinha visto. Shamron, então, recitou as bênçãos do pão e do
vinho nas entonações iídiches de sua infância, e a refeição começou. Gabriel ainda nem
tinha dado a primeira garfada quando Shamron tentou investigá-lo para saber sobre a
operação, mas Gilah habilmente mudou o assunto para as crianças. Chiara relatou a eles
os últimos avanços — as mudanças na dieta, os ganhos de peso e altura, as tentativas de
falar e andar. Gabriel só vira relances passageiros dessas mudanças durante os muitos
meses da operação. Em poucas semanas, eles se reuniriam novamente em Tiberíades
para comemorar o primeiro aniversário das crianças. Ele se perguntou se Saladin
permitiria que ele fosse à festa.
Na maior parte do tempo, porém, ele tentou esquecer a operação para poder