A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

Q


ARLINGTON, VIRGINIA

assam el-Banna acordou com o chamado à oração. Ele estava sonhando, mas não
conseguia lembrar com o quê. Seus sonhos, como a sensação de contentamento, lhe
escapavam. Desde muito cedo, ainda um garoto no Delta do Nilo, no Egito, ele
acreditava estar destinado a grandes coisas. Estudou muito na escola, conseguiu entrar
em uma universidade de prestígio razoável no leste dos Estados Unidos e, depois de
uma longa batalha, convenceu os americanos a deixá-lo permanecer no país para
trabalhar. E, em troca de todos os seus esforços, recebera uma vida de tédio
ininterrupto. Era um tédio distintamente americano composto de engarrafamentos,
dívida de cartão de crédito, fast food e passeios de fim de semana no shopping Tysons
Corner para empurrar seu filho em meio a vitrines cheias de fotografias de mulheres
seminuas e sem véu. Por muito tempo, ele culpou Alá por sua infelicidade. Por que lhe
tinha dado visões de grandiosidade só para torná-lo um homem comum? Além do mais,
Qassam agora era forçado, pela sua ambição insensata, a residir na Casa da Guerra, na
terra dos infiéis. Após muita reflexão, tinha chegado à conclusão de que Alá o colocara na
América por um motivo. Alá dera a Qassam el-Banna um caminho para a grandiosidade.
E, com ela, viria a imortalidade.
Qassam pegou seu Samsung do criado-mudo e silenciou o lamento nasal do
muezim. Amina continuava dormindo apesar do barulho. Amina, descobrira ele, podia
dormir no meio de qualquer coisa — o choro de uma criança, trovões, alarmes de
incêndio, o batucar dos dedos dele no teclado do laptop. Ela também estava
decepcionada, não com Alá, mas com Qassam. Viera aos Estados Unidos com
perspectivas de uma vida em Bel Air, como nos reality shows, mas estava morando na
esquina de uma loja 7-Eleven com a Carlin Springs Road. Repreendia Qassam
diariamente por não ganhar mais dinheiro e se consolava afundando-os ainda mais em
dívidas. Sua mais nova aquisição era um carro de luxo zero. A concessionária aprovara a
venda apesar da classificação de crédito péssima deles. Só nos Estados Unidos mesmo,
pensou Qassam.
Ele saiu em silêncio da cama, desenrolou um pequeno tapete e rezou pela primeira
vez naquele dia. Pressionou a testa apenas levemente no chão, para evitar ficar com um
calo escurecido — uma marca de oração conhecida como zabiba, palavra árabe para uva-
passa —, como os homens religiosos de sua aldeia. O islã não deixara marcas visíveis
em Qassam. Ele não rezava em nenhuma das mesquitas de Northern Virginia e evitava
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