— Sorte dele que eu mantive a calma. Você deveria ter escutado as coisas que ele me
falou.
— Nós as escutamos todo dia, Santidade.
— Mas eu não. Imagino que Deus tenha me feito aturar aquelas asneiras por alguma
razão.
Olhando para uma cópia do itinerário do Santo Padre, Gabriel se perguntou se aquilo
era verdade.
A próxima parada era Yad Vashem.
Donati tinha reservado uma hora para a visita particular pela nova exposição da
história do Holocausto, mas se passaram noventa minutos. De lá, seguiu para o Hall dos
Nomes, o repositório sombrio com informações sobre os mortos, e depois caminhou pela
Avenida dos Justos Entre as Nações e pelo Vale das Comunidades. No Memorial das
Crianças, um lugar escuro e sinistro iluminado por velas, o papa ficou desorientado por um
instante.
— Por aqui — orientou Gabriel em voz baixa.
Quando o Santo Padre saiu, sob o sol brilhante de Jerusalém, seu rosto estava banhado
em lágrimas.
— Crianças. Por que, em nome de Deus, eles mataram crianças pequenas?
— Vossa Santidade precisa de um minuto para se recompor?
— Não — negou o papa. — Está na hora.
Eles passaram pelo grande Pilar do Heroísmo e chegaram ao Hall da Recordação. Na
praça do lado de fora, centenas de dignitários israelenses e sobreviventes do Holocausto
estavam sentados, voltados para o púlpito simples de onde Sua Santidade faria os comentários
mais importantes da viagem. A localização sombria tornava o clima fúnebre. Não havia
qualquer bandeira e não houve aplausos quando o papa entrou no saguão. Seguindo-o na
sombra fresca, Gabriel sentiu uma paz pela primeira vez desde a chegada em solo israelense.
Ali, naquela câmara santificada da memória, o Santo Padre estava a salvo.
A chama da recordação fora temporariamente extinguida. Com a ajuda de Donati, o
papa a reacendeu e se ajoelhou por um bom tempo numa prece silenciosa e angustiada. Por
fim, ele se ergueu e saiu para a praça, onde a multidão já estava inquieta. Quando o pontífice
se aproximou do púlpito, Donati substituiu a pasta preta com o texto preparado por uma folha
branca pautada, que continha as notas escritas à mão pelo papa durante sua conversa final com
Gabriel, no Palácio Apostólico. O Santo Padre estava prestes a dar uma das declarações mais
importantes de seu papado sem qualquer roteiro.
Ele ficou em silêncio no púlpito por um longo momento, como se a combinação única
de horror e beleza do Yad Vashem o tivesse deixado sem palavras. Gabriel sabia que o
sentimento era genuíno. Mas ele também sabia que Sua Santidade estava prestes a iniciar o
sermão falando da relação entre palavras e atos. Esse silêncio, portanto, tinha propósito.
— Neste lugar de dor insuportável — começou ele —, meras palavras não poderiam
descrever as profundezas de nosso pesar ou de nossa vergonha. Esse lindo jardim da memória
é mais que uma mera lápide cerimonial para seis milhões de crianças de Deus e Abraão que
pereceram no fogo do Holocausto. É um lembrete de que o mal, o verdadeiro mal, está
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1