ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

Santa Sé. No laboratório de restauração, o trabalho foi interrompido conforme a equipe se
reunia ao redor das mesas de análise para ponderar como eles podiam ter deixado de perceber
os sinais da perturbação emocional da Dra. Andreatti, pensando como era possível trabalhar
com alguém por anos e saber tão pouco acerca de sua vida pessoal. Gabriel murmurou
algumas palavras apropriadas de compaixão, mas, de forma geral, manteve-se em seu canto
particular. Ele ficou sozinho com o Caravaggio até o fim da tarde e voltou para o apartamento
próximo à Piazza di Spagna debaixo de uma garoa gélida. Ao chegar, encontrou Chiara
apoiada no balcão da cozinha. Seu cabelo escuro estava preso por uma faixa de veludo na
altura da nuca e ela tinha os olhos fixos na televisão, que mostrava um repórter da BBC
recapitulando a história de um suicídio trágico acima de uma chamada que dizia MORTE NA
BASÍLICA. Uma fotografia de Claudia apareceu na tela e Chiara balançou a cabeça
lentamente.
— Ela era uma garota tão bonita... Por alguma razão, sempre parece mais difícil de
entender quando elas são bonitas.
Ela tirou a rolha de uma garrafa de Sangiovese e encheu duas taças. Gabriel estendeu a
mão para pegar uma, mas parou no meio do movimento. Escuro e denso, o vinho tinha a cor de
sangue.
— Algo errado?
— Donati me pediu para dar uma olhada no cadáver.
— Por quê?
— Queria uma segunda opinião.
— Ele não acha que foi suicídio?
— Não. Nem eu.
Gabriel falou sobre o colar partido, os sapatos distantes um do outro e a revisão
discreta da coleção de antigüidades do Vaticano. Por último, contou acerca da reunião urgente
que deveria ter se dado no escritório de Donati.
— Agora entendo o problema — falou Chiara. — Curadora atraente tem um encontro
marcado com poderoso secretário pessoal. Em vez disso, curadora atraente acaba morta.
— Levando todos os amantes de teorias da conspiração no mundo a especularem que o
poderoso secretário está, de alguma forma, envolvido na morte.
— O que explica por que ele está pedindo ajuda a você para encobrir os fatos.
— Não é bem isso.
— Como assim?
— Na verdade, é uma missão particular de averiguação, como as que costumávamos
fazer para o King Saul Boulevard.
O King Saul Boulevard era o endereço do serviço de inteligência israelense no
exterior. O nome longo e propositalmente enganoso tinha muito pouco a ver com a verdadeira
natureza do trabalho conduzido ali. Até mesmo agentes aposentados como Gabriel e Chiara se
referiam ao lugar apenas como o Escritório.
— Isso tem cara de mais um escândalo do Vaticano — alertou Chiara. — E, se você
não tomar cuidado, seu amigo, o monsenhor Luigi Donati, vai empurrá-lo para o olho do
furacão.

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