Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

com urgência no Reich. Trabalho? A maioria dos judeus que ele tinha visto
sair de Birkenau mal conseguia andar, quanto mais manejar uma picareta
ou uma pá. Eles não eram aptos para o trabalho, apenas para o massacre, e
já tinha matado uns quantos, ele próprio. Por que, em nome de Deus, lhe
tinham ordenado que limpasse as valas para depois permitir que milhares
de testemunhas caminhassem para fora de um local como Birkenau?
Ele se esforçou por manter os olhos abertos, e observou pela janela.
Estavam a conduzir ao longo das margens de um rio, perto da fronteira
ucraniana. Ele conhecia este rio, um rio de cinzas, um rio de ossos.
Pensou quantas centenas de milhares estariam ali embaixo,
sedimentadas no leito do Rio Bug.
Uma cidade adormecida: Uhrusk. Pensou em Peter. Ele tinha
avisado que isto aconteceria.
— Se eu me tornar uma ameaça séria, posso ganhar a chancelaria
— dissera Peter —, alguém vai tentar nops expor.
Ele sabia que Peter estava certo, mas também acreditava que
conseguiria lidar com qualquer ameaça. Estava errado, e agora seu filho
teria de enfrentar uma humilhação eleitoral inimaginável, tudo por sua
culpa. Era como se os judeus tivessem levado Peter à beira de uma vala
comum e apontado uma arma para sua cabeça. Ele pensou que conseguiria
evitar que eles puxassem o gatilho, se conseguisse quebrar mais um acordo,
engendrar uma fuga final.
E este judeu que olha fixamente para mim com aqueles rancorosos
olhos verdes? O que espera ele que eu faça? Peça perdão? Vergue, chore e
cuspa sentimentalismos? O que este judeu não percebe é que eu não sinto
culpa pelo que fiz. Eu fui forçado pela mão de Deus e os ensinamentos da
minha Igreja. Não nos disseram os padres que os judeus foram os
assassinos de Deus? O Santo Padre e os seus cardeais não ficaram em
silêncio quando sabiam perfeitamente o que estávamos a fazer no Leste?
Será que este judeu espera que eu reprove assim sem mais nem menos e
diga que foi um erro terrível? E porque olha ele para mim assim? Aqueles
olhos eram-lhe familiares. Já os tinha visto em algum lado antes. Talvez
fosse das drogas que lhe tinham dado. Ele não conseguia ter a certeza de
nada. Ele nem tinha sequer a certeza de estar vivo. Talvez fosse a sua alma
a fazer esta viagem ao longo do Rio Bug. Talvez estivesse no inferno.
Outra aldeola: Wola Uhruska. Ele conhecia a próxima vila. Sobibor...
Fechou os olhos, o veludo da cortina envolveu-o. É a Primavera de
1942, está a conduzir para fora de Kiev na estrada de Zhitomir com o
comandante de uma unidade Einsatzgruppen ao lado. Estão a caminho para

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