Eu e as Mulheres da Minha Vida

(Carla ScalaEjcveS) #1

DOIS


Zé gostava de se sentar no sofá da sala a seguir ao jantar, escorregar com as pernas estendidas
até ficar quase deitado, com o comando da televisão na mão e dedo leve no gatilho. Era capaz
de ficar naquilo durante horas, dono e senhor dos quarenta e tal canais, sem ver nenhum em
especial, enquanto Graça se encarregava de deitar o miúdo, de arrumar a cozinha e fazer uma
máquina de roupa. Depois ela vinha, sentava-se ao seu lado, e daí a pouco já estava a refilar
que ele não parava quieto com o comando e que naquela casa nunca se conseguia ver nada em
condições e ele acabava por se render à novela que ela gostava de seguir. A porcaria da novela
passada em África ou a da empregada que andava com o filho do patrão ou lá o que era.
Normalmente, Zé terminava o serão a ressonar no sofá e dali arrastava-se directamente para a
cama.
Mas hoje Zé não estava nada interessado na televisão. Claro está que fez o número do
costume, foi mudando de canal sistematicamente até Graça se queixar. Só para cumprir a rotina.
Mas nem se deu ao trabalho de discutir. Limitou-se a ficar sentado, com um olhar vago na
direcção do televisor e a pensar em Cátia.
Ainda agora lhe parecia impossível que ela o tivesse convidado para almoçar novamente.
Aquilo dava que pensar. Que diabo é que uma mulher como a Bellucci podia ver num homem
como Zé? Na sua óptica, nada. Mas, evidentemente, ele não era a pessoa certa para se avaliar,
porque não tinha uma boa opinião de si mesmo. Achava-se um pouco, digamos, desinteressante.
Totalmente desinteressante, para ser honesto. Fisicamente estava um desastre. Não seria
exactamente obeso, mas que estava com uns bons nove ou dez quilos a mais, lá isso estava. E
não era só ele, pensou, dando uma espreitadela a Graça, como se ter uma mulher gorda ao lado
constituísse uma espécie de álibi para o seu próprio desmazelo.
Costumavam rir-se deles mesmos, gordos mas felizes, diziam, quando o assunto vinha à baila.
Mas seria que, se ele estivesse casado há dez anos com uma mulher como a Bellucci, também
seriam os dois gordos mas felizes? A comparação era inevitável. Zé deu outra espreitadela à
mulher e devia ter olhado com tanta intensidade que ela se sentiu observada.
— O que foi?
— Nada — sorriu-lhe.
Graça sorriu também, tomando aquilo como um momento de carinho e regressou à sua novela.
Zé, pelo contrário, surpreendeu-se a culpá-la mentalmente de todas as suas frustrações. Não era
justo, bem sabia, mas também não era justo que ele não tivesse uma mulher como a Bellucci. A
Bellucci tinha um rabo durinho, perfeito, Graça tinha um cu expansivo, daqueles que se
espraiavam para os lados quando se sentava, celulítico.
Zé continuava a ser relativamente magro no geral, mas com uma barriga de cerveja
absolutamente desastrosa. Há quanto tempo não fazia exercício? Já nem se lembrava. Do que ele

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