Eu e as Mulheres da Minha Vida

(Carla ScalaEjcveS) #1

aproximava. Levou a mão à cara, instintivamente, à procura de algum papel esquecido. Estava
tudo bem.
— Então, Figueiredo?
— Então, o quê?
— Eh pá! Calma.
Zé olhou para ele, admirado com a sua própria agressividade, mas sentiu-se bem por tratar
mal o colega. Muita coisa ia mudar naquele departamento. Estava farto de ser um gajo porreiro.
— Desculpa lá, ó Pestana — disse, seco —, mas hoje não estou com pachorra para
brincadeiras.
— Tudo bem — disse o outro, na defensiva —, só queria dar-te os bons-dias, mas vou-me já
embora.
Okay , bom dia também para ti.
Era espantoso o que um almoço com a mulher mais bonita do banco podia fazer pela
consideração que se tinha por um homem.
Até ontem, Pestana só se aproximava de Zé para lhe dizer que tinha cara de cu. Hoje
atravessava a sala para lhe dar os bons-dias.
Uma mudança extraordinária, sem dúvida.
— Sou de Viseu — revelou-lhe Cátia, durante o almoço. — Estou em Lisboa há um ano. Vim
para cá trabalhar, arranjei namorado e comecei a viver com ele, mas, há um mês, descobri que
ele andava metido com outra. Dá para acreditar?
— Não — disse, e estava a ser sincero. Se eu tivesse uma namorada como tu, não andaria a
comer outra, de certeza absoluta. —
Mas isso era se fosse comigo — murmurou, sem se
aperceber de que falava alto.
— Se fosse consigo, o quê?
— Hã? Não, estava a pensar que, se fosse comigo, mandava-o passear. Mandava- a , mandava-
a passear.
— Foi o que eu fiz.
— E fez muito bem.
— Sabe, Zé?
— Sim?
— Eu estou muito sozinha, aqui em Lisboa — confessou Cátia, fazendo um ar tristinho que lhe
derreteu o coração. Baixou a cabeça, com os olhos concentrados na chávena de café. Tinha o
cotovelo esquerdo apoiado na mesa e agarrava a chávena com a mão direita.
— Está?
— Estou. Não tenho amigos. Os meus amigos eram os do meu namorado e, agora que o deixei,
também os perdi.
O almoço teria corrido melhor se Zé não tivesse sido interrompido por um telefonema urgente
de Graça, a dizer-lhe que Quico havia dado um murro a um colega de turma que o mandou para
a enfermaria. Quico tinha nove anos mas corpo de quinze. Era um touro de força e, por vezes, Zé
sentia-se assustado com o filho. Era quase do seu tamanho. Brincadeiras físicas com o pequeno
estavam fora de questão.

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