Eu e as Mulheres da Minha Vida

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Em ser trocada por uma boazona?
— Hum, hum...
— Não.
Graça não pensava nisso e — tinha de o admitir — não era pela melhor razão. Não é que
fosse ingénua ao ponto de achar que Zé não fosse capaz de a enganar, mas estava tão habituada à
imagem dele esparralhado no sofá com o comando da televisão na mão e aquela sua barriga de
cerveja, que lhe era difícil imaginar o marido a andar por aí a engatar boazonas. De certa forma,
os quilinhos que ele tinha a mais davam-lhe alguma segurança. Não seria um pensamento lá
muito lisonjeiro, mas...
— Porquê?
— Porque, sei lá — riu-se —, porque sei que ele gosta de mim e, de qualquer maneira, está
demasiado instalado na vida para essas coisas.
— Ah, Graça!
— A sério! Não achas que os homens se acomodam de tal maneira aos casamentos, que se
tornam demasiado preguiçosos para arranjarem outra mulher e terem de recomeçar tudo de
novo?
— Nova mulher, novo casamento, nova casa, novos filhos?
— Sim.
— Nããã...
— Eu também não, esta vida está cheia de exemplos disso mesmo, não é?
— É.
— Mas é melhor pensarmos o contrário, não é?
— É. Mas convém não andarmos de olhos fechados, certo?
— Certo.
Seria possível que Isabel pensasse o mesmo que ela sobre os danos que uma dica errada
poderia provocar num casamento e não quisesse dizer-lhe à queima-roupa que tinha visto Zé
com outra? Seria possível que Isabel estivesse diplomaticamente a dizer-lhe: «Graça, abre os
olhos porque o teu marido anda a mijar fora do penico»? Graça levou esta preocupação para o
laboratório e, mais tarde, para casa. Ser enganada pelo marido era daquelas possibilidades que
ela, evidentemente, não punha de parte, mas esse género de pensamento era assim como a ideia
de descobrir que tinha um cancro. Sabia, graças à sua formação científica, que o cancro não era
algo que só acontecia aos outros, mas estava consciente de que seria mais vulnerável à doença
se fumasse três maços por dia. O casamento era algo que podia acabar se o casal tomasse as
opções erradas, se se limitasse a encontrar-se na mesma casa e vivesse cada um para o seu
lado, de costas voltadas, sem partilharem a sério as suas vidas, afastando-se ambos lentamente
até não terem nada para dizer um ao outro. As opções erradas conduziam inevitavelmente à
catástrofe.
Graça orgulhava-se de não ter um único problema grave de relacionamento com Zé para
contar. Haviam passado incólumes pela chamada crise dos sete anos — o que quer que isso
fosse —, a rir-se dos casais que defendiam a necessidade de uma boa discussão para apimentar
o casamento, e a ver como outros iam ficando pelo caminho com divórcios mais ou menos

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