O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Regina sentou-se à beira do sofá da sua sala silenciosa, demasiado
silenciosa. Tinha o cinzeiro cheio até acima e o segundo maço do dia
pousados na mesa de centro, à frente dela, quase a tocar-lhe nos joelhos. Usou
a caixa de fósforos da cozinha para acender um cigarro, inclinou a cabeça
para trás, atirou uma baforada de fumo cinzento-azulado para o ar. Uma
pequena nuvem ficou momentaneamente a pairar sob o candeeiro cilíndrico
em tecido cor de laranja, pendente do tecto. Apoiou os cotovelos nos joelhos,
a fumar, com os olhos brilhantes, quase a romper em lágrimas, preocupada.
Nuno não voltara para casa nesse dia, tal como prometera, não telefonara a
explicar a razão do atraso, não dissera nada. André dormia no quarto ao lado.
Por alguma razão que não queria aprofundar para não dar em doida, Regina
sentia uma pesada atmosfera de tragédia a instalar-se e a cercá-la, à medida
que as horas passavam sem notícias.


Cinco anos , pensou, tinham passado cinco anos e Regina, desconsolada,
sentia que a sua vida com Nuno se tornara num ciclo vicioso que não ia dar a
lado nenhum. Já Nuno, continuava o mesmo de sempre, vagamente
empenhado na relação deles, vagamente distante. Nuno parecia manter aquela
atitude, amigo não empata amigo, dos primeiros tempos, quando andavam
juntos, se divertiam juntos, viviam juntos, tudo na maior descontracção, tudo
numa ligeireza muito fixe , como quem dizia que não havia compromissos
definitivos e hoje somos inseparáveis mas amanhã pode ir cada um à sua vida.
Pois, como se não tivéssemos um filho e não houvesse responsabilidades em
relação à criança.
Não que Nuno desse algum sinal de querer desistir dela, ou
de André. Pelo contrário, quando estava em casa era atencioso com ela e
cobria o miúdo de mimos. E no entanto Regina não achava que estivessem a
construir uma vida em comum. Viviam na mesma casa — quando ele estava
presente — e tinham um filho, mas a maior parte do tempo era só ela e André.


Regina sentia-se sozinha, numa angústia, com o coração nas mãos. Sempre
que o telefone tocava assustava-se, era mais forte do que ela, era um reflexo
de medo. Ia atendê-lo com as mãos a tremer e uma fraqueza nas pernas, a
rezar para que não fosse uma má notícia.


Então ele regressava, levava-a à ponta da Ilha, a jantar no Barracuda como
nos velhos tempos, na varanda em cima da praia, enquanto um sol glorioso

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