— Não, deixa lá. Ganhaste. O teu era muito pior que o meu.
— Isto, sem esquecer que a minha mãezinha se pôs na alheta e esteve-se a
cagar para mim.
Regina pousou a palma da mão no pulso dele e abanou a cabeça,
compreensiva.
— Eu sei — disse.
— Então, tu sabes que eu tive de me desenrascar desde pequeno. Quer
dizer, tu nem sabes a missa a metade.
— O quê?
— O que eu fiz para sobreviver.
— As drogas?
— Também.
— Aí já eras crescidinho, não achas?
— Acho, mas eu estava a falar de antes, quando era miúdo. A cena das
drogas é resultado disso tudo. O que eu estou a querer dizer, Regina, é que
nunca tive um pai que me orientasse, que me desse sermões. Porra, tu ainda te
queixas? Eu é que dava sermões ao meu pai!
— Pois, realmente...
— Portanto, onde eu quero chegar é que eu nunca tive nada na vida que me
fosse oferecido, entendes?
— Sim.
— Então, quando eu conquisto uma coisa, quando consigo montar um
negócio que dá certo, vens tu e queres que eu largue tudo e fique a viver à tua
conta?
— Eu não disse isso.
— Mas ias dizer.
— Eu só não quero passar as noites todas sozinha em casa, a pensar no que
te pode acontecer com a porcaria do avião e a ficar gelada de medo de cada
vez que ouço o telefone tocar.
— Não tens razão para isso.
— Não? Quantas vezes é que te encheram o avião de balas?
— Uma.