amigos que lhe davam abrigo, à vez e entre duas relações, pois habituara-se a
morar com as namoradas, nos apartamentos delas. Havia uma em especial,
uma mulata que trabalhava num bar de alterne, o Tamar, na Ilha de Luanda,
para quem ele voltava com uma certa recorrência e que o acolhia sempre na
sua cama e o financiava se lhe faltava dinheiro para o tabaco e para as
refeições. Patrício levava uma vida simples, gostava de uma boa conversa
pela noite fora, entre copos e cigarros, de mulheres e de política, mas nunca se
dedicava a fundo a coisa nenhuma.
A sua maior contribuição para uma causa fora o envolvimento activo com o
MPLA^1 , cuja colaboração lhe custara dois anos de cadeia por ter sido
apanhado a distribuir propaganda do movimento independentista. Hoje em
dia, Patrício conservava os contactos desses tempos e Regina sabia disso, o
que a levou a pensar que, muito provavelmente, ele sabia mais do que lhe
contava. Em todo o caso, Patrício parecia genuinamente convencido de que a
descolonização ia mesmo acontecer, e ela perguntou-se qual seria a atitude
dos milhares de brancos se se sentissem na iminência de perderem tudo o que
tinham. Revoltar-se-iam contra o governo? Resistiriam à ordem de retirada
vinda de Lisboa? Pegariam em armas contra os movimentos angolanos?
Quanto mais pensava nisso, mais achava que a situação em Angola se iria
complicar em breve.
Ao final da tarde, Regina entrou na mercearia perto de casa para fazer umas
compras de última hora, depois de ter ido buscar André ao colégio. Era um
espaço pequeno, lúgubre e pouco asseado, quase todo ocupado por caixotes
abertos, donde ressaltavam legumes frescos e frutas variadas. Ao fundo, em
cima de um balcão envidraçado, empilhavam-se frascos de doce. A parte de
trás do balcão tinha um tampo metalizado, sobre o qual estava uma máquina
de cortar fiambre, uma balança e uma caixa registadora.
— Olá, menina Regina — cumprimentou-a o merceeiro. — Então, o que
vai ser hoje?
— Olá, senhor António. Vou levar cem gramas de fiambre, meia dúzia de
ovos e uma lata de salsichas. O jantar preferido do André.
O miúdo abriu muito os olhos, sorriu de orelha a orelha, fez que sim com a
cabeça e disse miame-miame.
— Está muito bem, está muito bem — disse o merceeiro. Vestia calças de
fazenda cinzentas e camisa com as mangas abotoadas nos punhos. Era um
homem de idade indefinida, mas, a ajuizar pela sua mulher, que hoje não