O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

— E quem é que não está?
— Ora, senhor António, tenha calma, não se aflija antes do tempo. Isto
ainda a procissão vai no adro, ninguém sabe o que vai acontecer. Vai ver que
não vai ser preciso ir-se embora. — Ele fitou-a espantado.


— Até me admira, a menina, que tem estudos e conhece gente, achar uma
coisa dessas. — A afirmação saiu-lhe da boca fora com uma sinceridade
brutal e Regina sentiu-se a corar, embaraçada.


— Não — engoliu em seco. — Não, o que eu estou a dizer é que não
devemos entrar em pânico e achar que está tudo perdido.


— Eu não estou em pânico — resmungou ele, como não gostasse da
insinuação dela. — Só que não sou parvo e percebo o que vem aí. Ou a
menina acredita que os pretos vão ficar quietinhos no seu lugar? Não tarda,
temos os turras todos a passearem-se pelas ruas de Luanda e eu é que não vou
estar cá para os receber.


Regina remeteu-se ao silêncio, esperou pelo saco com as compras, pagou,
disse boa noite, agarrou em André pela mão e saiu a pensar que era bem feito,
para aprender a ficar calada. Quisera dizer ao homem umas quantas palavras
de confiança e acabara a armar-se em condescendente. Lixei-me, pensou,
envergonhada e mais deprimida do que nunca. Quem me dera que o Nuno
estivesse aqui.
Uma lágrima rolou-lhe pela cara abaixo e ela apressou-se a
limpá-la para o filho não ver. Onde é que ele estará? Porque é que não voltou
hoje, como tinha prometido?


1    Movimento  Popular para    a   Libertação  de  Angola.
Free download pdf