não se preocupou muito com isso.
O tenente Macário tornou a sentar-se à frente de Nuno e continuou a
conversar enquanto se ouvia o som surdo do vácuo, das granadas a serem
cuspidas dos tubos dos morteiros — tum... tum... tum... —, seguido das
explosões ao longe.
— Há quatro anos que aturo esta merda — disse o militar, deixando escapar
um suspiro ruidoso. — Houve alturas em que mal conseguíamos respirar. Era
um arraial de porrada todos os dias. Os turras não nos davam um minuto de
descanso. Isto? — esticou o dedo a apontar para onde caíam os morteiros. —
Esta merda? Isto não é nada — varreu o ar com um gesto de desprezo. —
Você havia de estar cá quando os cabrões nos atacavam, aqui há quatro anos.
Isso é que era a sério. Eles atacavam-nos, nós íamos atrás deles, dávamos
cabo dos gajos e, no dia seguinte, já estavam de volta a bater-nos à porta. Era
uma loucura. Por mais que os enchêssemos de chumbo, os gajos não
aprendiam, voltavam sempre, uma vez, outra vez e outra e outra e outra... —
Abanou a cabeça, como se ainda lhe custasse a crer. — Incrível! Estes pretos
parecem os chinocas do Vietname. O que me lixa é que tivemos treze anos
desta merda, treze anos a darmos o couro por esta terra, a passarmos as passas
do Algarve, a morrermos ou a ficarmos estropiados. Porra! Você não imagina
a quantidade de gajos que eu vi saírem daqui completamente passados dos
cornos, não diziam coisa com coisa. E para quê? Diga-me. Por que carga de
água é que andámos treze anos a lutar? A resposta é simples: porque já cá
estamos há cinco séculos. Que diabo, cinco séculos não são cinco dias!
Nuno abanou a cabeça, concordante, cinco séculos não eram cinco dias, de
todo. Ao lado, ouviam-se os morteiros a disparar, tum... tum... tum..., e, ao
fundo, as explosões. O tenente prosseguiu na sua diatribe, sem se interessar
pelo desenrolar do combate.
O que eu quero dizer é que, se nós estamos em África há quinhentos anos,
como é que os pretos nos vêm dizer que isto é tudo deles? E alguns deles só
falam francês, os cabrões da FNLA só sabem falar francês! Estamos a
brincar? Nós — bateu com a palma da mão no peito — também temos pretos.
Olhe, aqui — apontou para o lado. — Temos pretos a dar com um pau, a
lutarem ao nosso lado. E eu não trocava um deles por dez desses merdosos do
MFA que fizeram a revolução e que querem entregar Angola ao inimigo.
Então, estivemos nós anos, séculos!, a conquistar esta terra, a construir
cidades, a tirar os selvagens da ignorância, e, de repente, vêm-nos dizer que
somos uns sacanas de uns exploradores e que temos de largar esta merda toda