O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

mulher se perde, e um rabo lindo que pode saltar da minha cama agora
mesmo, ou ficar aí a dormir até eu voltar, como queiras, e, num desconchavo
final, apoiou um joelho no colchão, debruçou-se sobre o pobre abandonado e
depositou-lhe na testa um beijo de boas noites enquanto lhe segurava com
firmeza a rigidez entre as pernas, e disse-lhe, dorme bem.


Regina pousou o auscultador, limpou as lágrimas com as mãos, levantou-se,
foi abrir a janela, espreitar para baixo numa esperança vã, voltou para o sofá,
sentou-se, levantou-se, desorientada, ergueu as mãos abertas e deixou escapar
um grito surdo do fundo da alma. Tens que te acalmar, Regina. Respirou
fundo, sentou-se, acendeu um cigarro. A Laurinda vinha a caminho, graças a
Deus, não teria de passar por aquilo sozinha. A amiga era a sua salvação, um
dia ela tinha sido a salvação de Laurinda. Sorriu, momentaneamente distraída
da sua tortura. Parecia que a estava a ver, a entrar-lhe pela primeira vez na
loja — alta, mais alta ainda nuns sapatos de salto fino, saia travada azul,
camisa branca, um corpo grande mas bem proporcionado, os olhos castanhos,
claros como o cabelo que podia chegar a louro se apanhasse sol, liso, um bom
palmo abaixo dos ombros mas muito bem cortado, muito bem penteado, de
modo algum vulgar porque ela, no seu quase um metro e oitenta de altura,
podia dar-se a liberdades que noutras dir-se-ia coisa de sopeira. Tinha pinta de
hospedeira de bordo, a profissão de sonho das meninas de sonho, e fora-o
mesmo, durante três anos, já depois de ter começado a ganhar a vida como
manequim muito nova, antes dos vinte. Farta de viajar, apaixonada por
Luanda e pelo seu primeiro marido, na época ainda só o namorado possessivo
que lhe implorava que largasse a TAP e assentasse em Luanda, Laurinda fez o
que sempre fazia por ser bonita como poucas e a vida lhe cair no colo, as mais
das vezes sem sequer ter que pedir: desistiu do que fazia e partiu para outra,
despediu-se, mudou-se para Luanda, casou-se.


Laurinda levou-lhe um rolo de fotografias para revelar e Regina lembrava-
se de ter pensado com alguma inveja, bolas, eu sou gira, mas ao pé desta sou
um frasco.
E, reparou, não lhe bastava poder ser miss Angola ou miss
qualquer parte do mundo, ainda por cima era daquelas pessoas que, sozinhas,
enchiam uma sala quando passavam a porta de entrada. Regina estava grávida
nessa altura, sentia-se inchada, disforme, enjoada e a derreter com o calor
insuportável que a incomodava muito, de modo que Laurinda lhe causou uma
impressão ainda mais forte, mexeu com a sua sensibilidade.


Ela voltou no dia seguinte, saiu de um Mercedes com motorista incluído,
muito alegre, muito espontânea nos seus modos espampanantes. Recebeu as

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