O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

fotos, pôs-se a vê-las enquanto esperava o troco. De súbito, deteve-se numa
em particular. O seu troco, disse Regina, mas ela não a ouviu, presa à foto, de
boca aberta a cair num beicinho e os olhos a encherem-se de lágrimas. O
jovem marido de Laurinda, filho bonito do dono de um império de café, tinha-
a levado ao altar mais por capricho do que por amor, uma festa memorável
com centenas de convidados, uma lua-de-mel de luxo pelas capitais
europeias, e agora, nem um ano passado, ali estava ele na foto, sentado no
capot metalizado do seu descapotável, a beijar uma loura tão ou mais bonita
do que a sua bela mulher. Laurinda levantou a cabeça, escorriam-lhe lágrimas
pela cara abaixo. O cabrão pediu-me para revelar as fotografias, admitiu
aquilo com uma franqueza desarmante, desfeita, sem sequer tentar mostrar-se
forte para salvar a dignidade. Disse mais até, ou espantou-se, o filho da mãe
encorna-me e a seguir anuncia-me por fotografia?! E Regina, cínica, a matutar
que afinal é humana, a rapariga, embora depois tivesse caído em si e,
querendo redimir-se do pensamento maldoso, passasse para o outro lado do
balcão e oferecesse uma cadeira à mulher destroçada, um copo de água, um
lenço, uma palavra de consolo.


Laurinda voltou a entrar-lhe pela loja duas semanas mais tarde, inclinou-se
sobre o balcão e anunciou: Já resolvi o assunto!


— O assunto? — disse Regina, desconcertada.
— Sim, o assunto do meu casamento!
— Ah, esse assunto.
— Esse mesmo. Cheguei a casa, fiz as malas e vim-me embora,
simplesmente. Deixei-lhe a fotografia na cama, em cima da almofada, e nas
costas escrevi-lhe que podia meter o seu dinheiro e a sua namorada num certo
sítio. Pronto, estou muito mais aliviada.


— Acredito — comentou Regina, sem saber muito bem o que dizer perante
tanta sinceridade, a perguntar-se se a outra não bateria bem da cabeça.


Mas Laurinda, sempre naquele seu jeito genuíno, encolheu os ombros.
— Quis dizer-lhe isto — afirmou. — Peço desculpa, não quero chateá-la
com os meus problemas, mas no outro dia foi tão simpática comigo, não sei,
achei que devia dizer-lhe qualquer coisa, e agradecer-lhe também. — Então
Regina percebeu que ela não era uma doida destravada, mas sim uma alma
pura, e rendeu-se àquela mulher que, não obstante parecer que tinha o mundo
na mão, nesse momento lhe lembrou apenas um passarinho ferido.


—   Olhe    —   disse-lhe   numa    inspiração. —   Estou   mesmo   a   precisar    de  um
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