contou-lhe uma história, apagou a luz e voltou para a sala. Quando Nuno
chegou a casa André já dormia e as malas estavam prontas e alinhadas junto à
porta da entrada.
— Fizeste as malas — comentou Nuno, espantado.
— Fiz — disse Regina. Levantou-se do sofá, cruzou os braços, deu dois
passos até à janela e dois passos para trás, encarou-o. Tinha os olhos
vermelhos e a expressão desorientada de uma alma perdida.
— Porquê? — perguntou Nuno, avançando para junto dela, preocupado por
encontrá-la naquele estado.
— Vou-me embora — disse — e levo o André.
— Vais-te embora para onde?
— Para Lisboa, para onde é que havia de ser?
— Mas pensei que tínhamos combinado que só íamos embora depois de eu
vender o avião.
— Sim, mas hoje eu percebi que não posso esperar mais. Tenho de tirar o
André daqui o mais depressa possível, percebes?
Nuno abriu os braços, em jeito de resposta. Não percebia.
— O que é que aconteceu hoje?
— Sabes o que aconteceu hoje? Eu fui apanhada no meio de uma
manifestação e só não morri por acaso.
— O quê?!
— Isso mesmo — confirmou Regina, e depois contou-lhe tudo. De modo
que não podia continuar em Luanda, concluiu, não com um filho pequeno e
sabendo que a qualquer momento, em qualquer esquina, uma pessoa podia ser
surpreendida por um fogo cruzado e morta a tiro, porque havia confrontos na
cidade, ela vira-os, e ninguém parava um tiroteio para deixar passar uma mãe
com o seu filho. Luanda já não era segura e ambos sabiam disso.
— Ontem à noite não era mais segura do que hoje — argumentou ele — e
tu concordaste em esperar mais uns dias.
— Mas ontem eu ainda não tinha sido quase morta.
— Não estarás a exagerar um bocadinho? Eu sei que foi uma situação
difícil, que estás nervosa, mas...
— Achas? — interrompeu-o. — Achas que estou a exagerar?