O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

as pessoas a matarem-se umas às outras. E, se aquilo era só uma amostra do
que estava a acontecer em Luanda, do sangue que corria pela cidade, era
muito pior do que Regina imaginara.


Esta conclusão atingiu-a de chofre, como uma revelação de mau agouro.
Regina tinha chegado ao fim da tarde como que anestesiada, mantendo-se
ocupada para não pensar demasiado, para dominar o alvoroço que lhe
espreitava no espírito inquieto, mas, logo que parou para fumar um cigarro,
caiu em si e, daí a ser tomada por uma onda de pânico, foi o tempo do borrão
arder até lhe queimar os dedos, da cinza esquecida cair ao chão, de uma
tempestade de emoções a deixar a tremer dos pés à cabeça. Tinha de sair dali,
decidiu, precisava de sair de Luanda imediatamente, pôr o seu filho a salvo.


Levantou-se do sofá numa inquietação e foi a correr desempoeirar as malas
de viagem. Descobriu-as esquecidas há seis anos na pequena arrecadação ao
lado da cozinha, guardadas numa prateleira por cima do armário das roupas
da casa. Arrancou-as lá do alto de qualquer maneira, com gestos
atabalhoados, e atirou-as ao chão num estrondo de urgência. Limpou-as com
um pano do pó sem esmero, levou-as para o quarto e começou a despejar as
gavetas para dentro delas. Mexeu-se com gestos precipitados, sem se importar
se fazia as coisas bem feitas, como se não tivesse tempo a perder, a pensar
como uma sobrevivente, a fazer contas à fuga, atirando roupa para as malas
enquanto calculava o dinheiro que tinha de lado, os lucros da loja. Haveria de
chegar para se aguentar alguns meses em Lisboa, e levaria também todas as
máquinas fotográficas que estavam na montra para as vender mais tarde.
Precisava de comprar os bilhetes de avião para ela e para André, precisava de
pagar o colégio e avisar que o filho não iria mais. Em Lisboa teria de arranjar
outro colégio, e uma casa, e um emprego... Parou de repente, com um par de
botas nas mãos, confusa, sem saber o que fazer com elas. Teve um acesso de
fúria, de frustração, atirou as botas contra a parede, caiu de joelhos no chão,
de cotovelos na cama e cabeça entre os braços, afundou o rosto na colcha a
chorar convulsivamente, desesperada, a pensar que teria de reconstruir a vida
a partir do zero e nem sequer sabia por onde começar.


Foi surpreendida por André a tocar-lhe no ombro e a perguntar-lhe porque
chorava. Viu a expressão assustada do filho e apressou-se a limpar as lágrimas
e a abraçá-lo. Não era nada, disse-lhe, a mãe estava triste, só isso, mas já
passava. Recompôs-se e acabou de fazer as malas enquanto dava respostas
vagas às perguntas de André para lhe entreter a curiosidade. A seguir deu-lhe
banho, preparou-lhe o jantar e, depois dele comer, levou-o para a cama,

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