afugentado os guerrilheiros.
A tensão arrastou-se até quase às duas horas da madrugada. Subitamente, o
aparelho ganhou vida. Acenderam-se as luzes e o ar condicionado, e a voz
firme do comandante invadiu a cabina para informar os passageiros de que
estava tudo em ordem no exterior e levantariam voo dentro de momentos.
Regina respirou fundo, aliviada. Ajustou o cinto de segurança de André,
apertou o seu, recostou-se melhor na cadeira. Dali a pouco, o avião
estremeceu ao começar a deslocar-se lentamente para o início da pista e
Regina estremeceu com ele, perturbada com o significado daquele
movimento. O aparelho afastava-se da placa de estacionamento e ela foi
surpreendida por uma enorme e sentida mágoa, mais devastadora do que
estava à espera. Partia, e nesse instante de coração apertado Regina viu-se
assaltada pelo desgosto imenso da perda. Apercebeu-se de que não voltaria ao
lugar onde tinha sido feliz e isso destroçou-a. E sentiu-se pior ainda por recear
pelo resto da vida, por não ter nada a que se agarrar, nenhum projecto, nada, a
não ser recomeçar do zero. Lembrou-se como se fosse hoje de um dia ter
pensado que poderia construir um bom futuro em Angola. O pensamento
surgira-lhe como uma revelação, durante um passeio de barco com Nuno,
pelo paraíso do Mussulo. Ainda conseguia ver o bando de flamingos de penas
rosadas levantando voo à beira-mar, à frente do barco, espantado pelo barulho
do motor. Era capaz de descrever com exactidão esse momento, em que a
certeza da felicidade lhe caíra do céu, ela a espreitar Nuno ao leme, com uma
devoção amorosa, ele, pressentindo-a, a voltar a cara e a piscar-lhe o olho.
Naquela época ele usava bigode, era verdade, recordou-se disso com um
sorriso nostálgico. Depois tiveram um filho, ela abriu a loja, moldou o
apartamento como um verdadeiro lar, ficaram em Luanda. Tinham tido os
seus altos e baixos, como todos os casais, supunha, apesar de Nuno não ser
um homem vulgar, e não se acomodasse àquelas rotinas diárias que tanto
podiam dar segurança a uma relação como podiam matar o amor. O avião
começou a correr pela pista. Há uma semana, Regina perguntara-se se ainda
amava Nuno. Agora, que se afastava dele a uma velocidade alucinante, teve a
certeza de que sim. O aparelho tirou as rodas do chão, ficou
momentaneamente suspenso no ar, ganhou altitude muito depressa, numa
ascensão de colar os passageiros às cadeiras. Regina mordeu o interior do
lábio para não chorar, sem se dar conta de que as lágrimas já lhe corriam pela
cara abaixo. O avião chegou lá acima numa questão de segundos. Movida por
um impulso, Regina inclinou-se sobre o filho adormecido e levantou a
cobertura da janela. Espreitou para baixo. A asa do seu lado baixou na
direcção da terra, o avião inclinou-se numa curva suave e ela reteve no
espírito uma derradeira imagem de Luanda à noite. O tapete de luzes