O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

Militar de Lisboa e era comandado por um dos heróis mais festivaleiros da
revolução. Os seus outros trunfos eram um Presidente da República titubeante
e o Conselho da Revolução, que, no entanto, acabou por se dividir também
entre as tendências políticas dominantes e donde, no final da confusão
revolucionária, emergiram com mais poder os moderados, conhecidos pelo
Grupo dos Nove.


A dezanove de Julho, escassos dias após a sua chegada a Lisboa, Regina
convenceu o pai a sair de casa e a participar numa manifestação convocada
pelo Partido Socialista, que ficaria na história desses dias conturbados como
um dos marcos decisivos para a democracia e para a salvação do país. Nessa
noite, enquanto o governo enviava tropas para erguerem barricadas às portas
da capital, a população de Lisboa afluía aos extensos relvados da Alameda D.
Afonso Henriques. Cento e vinte mil pessoas indignadas com a
irresponsabilidade do governo juntaram-se num protesto monumental contra o
gonçalvismo, como então era conhecido o regime com pés de barro
personificado pelo militar surgido do movimento dos Capitães de Abril que
chefiou quatro governos provisórios. No seu delírio visionário, o primeiro-
ministro tentaria resistir mais um mês, até ser abandonado por todos e deixar
a cena, demitido e coberto de ridículo. Contudo, os que o manipulavam nos
bastidores ainda haveriam de se aventurar num golpe de Estado mal planeado
no culminar de uma escalada de confrontação de rua, a 25 de Novembro. Na
verdade, os perpetradores do golpe foram provocados pelo Grupo dos Nove,
de modo a levá-los a tomarem a iniciativa que os haveria de perder. O plano
funcionou como a desactivação controlada de uma bomba que há muito
ameaçava explodir.


O demónio da guerra civil que afligia a sociedade foi definitivamente
exorcisado. O Partido Comunista, liderado por um secretário-geral muito
inteligente, que sabia mais de conspirações políticas do que o conselho de
ministros todo junto, detectou o cheiro da derrota muito a tempo de abandonar
o barco e deixar o primeiro-ministro e os seus exaltados amigos de extrema-
esquerda afundarem-se num golpe de Estado sem pés nem cabeça. O PCP
salvou-se, embora enfraquecido e, doravante, teria um papel na democracia
pluralista reduzido à sua verdadeira dimensão, mas com a vantagem de deixar
de ser assombrado pela extrema-esquerda, que se desintegrou com este
derradeiro episódio da balbúrdia revolucionária em que o país vivia desde o
25 de Abril. Em contrapartida, a economia continuaria arruinada por muitos
anos em consequência dos desvarios das nacionalizações, que estavam ainda
longe de ser corrigidos.

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