O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

essa choradeira. Não podia ter sido mais encorajador, ouvir aquilo da boca do
pai. Quem o ouvisse há seis anos, pensou Regina, nem o reconheceria. Mas o
juiz aprendera a sua lição. Conhecendo a determinação obsessiva da filha
quando se lhe metia uma coisa na cabeça, ele sabia que um punhado de boas
razões não chegariam para a levar a desistir dos seus intentos. A lógica e o
bom senso nada podiam contra o instinto protector de uma mulher e, no caso
dela, muito menos. Fosse lá como fosse, Regina ia mesmo meter-se no meio
do incêndio angolano, portanto, o que adiantava desmoralizá-la?


— Vai, filha — apoiou-a o pai, na hora da despedida. — Vai lá vai fazer o
que tens a fazer e volta depressa.


— Obrigado pelo seu apoio, pai. — Agradeceu-lhe com um abraço
emocionado à porta de casa.


— Não tens nada que me agradecer — disse ele, ajeitando-lhe uma madeixa
do cabelo com uma carícia desajeitada.


— Tome-me conta do André — pediu Regina, de olhos brilhantes, à beira
das lágrimas.


— Claro que sim, Regina, não te preocupes com isso. Concentra-te só na
tua missão e faz-me o favor de não desapareceres também. Combinado?


Ela sorriu  da  tentativa   dele    para    aligeirar   o   momento.
— Combinado.

Laurinda levou-a ao aeroporto. Continuava a chover e, vendo a amiga
debruçada sobre o volante a lutar com o vidro embaciado, Regina teve um
pensamento reconfortante ao perceber que dentro de algumas horas estaria em
Luanda, onde pelo menos não chovia nem fazia frio. Só se enganou quanto à
chuva. Hipnotizada pelo vaivém compassado do limpa-pára-brisas,
ensimesmada nas suas preocupações, Regina não abriu a boca até ao
aeroporto. Laurinda também não. Se fossem a caminho de um funeral não
seria diferente.

Free download pdf