O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

movimentos guerrilheiros a operarem a partir das regiões fronteiriças da
Zâmbia e do Zaire. As catanas, que, no início da revolta, haviam sido
desviadas dos trabalhos agrícolas para despedaçar selvaticamente pessoas a
eito, tinham sido substituídas pelas Kalashnikov . E as mãos que
transportavam as AK-47 tinham recebido treino adequado em bases recuadas
nos países vizinhos. De modo que os guerrilheiros de 1969 estavam muito
mais bem instruídos na arte da guerra do que as hordas alarves de 61, e as
notícias alarmantes de que o inimigo se infiltrava cada vez mais
profundamente no Interior de Angola iria provocar em breve uma reacção
portuguesa. Por ordem do comandante-chefe, sete batalhões seriam
transferidos do Norte para o Leste, alterando a estratégia contra-subversiva e,
a prazo, os ventos da guerra começariam a soprar a favor das forças
portuguesas. Estas acabariam por vencê-la no campo de batalha para logo a
perderem nos meandros da política. Em 1974, quando o conflito acabou na
sequência da queda do regime em Lisboa, o novo poder simplesmente desistiu
de Angola, apesar dos movimentos de libertação estarem então praticamente
inactivos, exangues, quase aniquilados. Estes ganharam a guerra na secretaria.


Ao contrário de Regina, Nuno preocupava-se em saber o que se passava e,
se bem que o governo de Lisboa, sobranceiro e paternalista, considerasse que
as incidências da guerra eram assunto exclusivo dos militares e as
informações oficiais não abundassem, era sempre possível avaliar o
desenvolvimento do conflito pelo estado de espírito dos soldados. Estes
andavam por todo o lado, em Luanda. Vinham do mato, alguns com a cabeça
feita em papa, porque a guerrilha era, em grande medida, uma estratégia de
nervos; outros menos esgotados psicologicamente. Nuno dava com eles na
cervejaria mais frequentada da Baixa, a Portugália, ou noutros restaurantes
populares. Metia conversa, fazia perguntas, inteirava-se do que andavam os
generais a fazer com a guerra. O seu intuito era determinar se Angola
continuaria a ser uma terra segura para investir o seu futuro. Nessa época as
notícias ainda não eram animadoras. A dez de Junho, o regime fez a
tradicional apologia do poderio bélico nacional com uma vistosa parada
militar que desfilou pela Marginal, sossegando os corações da população com
as fardas glamorosas e o armamento pesado. Os homens das tropas especiais,
de rosto duro e passo decidido, marchavam com a certeza da vitória
estampada no semblante. Participavam numa demonstração de força que, no
entanto, só conseguia disfarçar as dificuldades que então se sentiam no teatro
de guerra.


Nuno    não se  deixou  enganar pelas   aparências, mas estava  convencido  de
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