O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

pânico entre os casais sentados em bancos baixos. Caíram no chão aos socos
no meio do alvoroço dos clientes aflitos e continuaram a agredir-se
selvaticamente. Abriu-se uma clareira em redor deles. As pessoas paralisaram
geladas de medo, chocadas com a violência. Em segundos, havia sangue a
esguichar, mesas pelos ares, vidros partidos, cubos de gelo espalhados pela
alcatifa, empregados a saltarem sobre eles os dois, a separarem-nos e a
arrastarem-nos para fora. Já na rua, mais pancadaria, mais sangue, mais
gritos.


O jogador de râguebi revelou-se bastante acima dos atributos físicos de
Nuno, mais ou menos como uma parede contra a qual bateu e acabou
desmaiado no asfalto. Acordou no hospital sem se lembrar da viagem de
ambulância, foi tratado, interrogado por um polícia desinspirado a quem nada
disse, foi-se embora.


Não foi a primeira cena violenta em que Nuno estivera envolvido nos
últimos tempos, apenas a mais violenta. Sentia-se em perigo e não queria
nada com desconhecidos. Andava muito preocupado com a sua má fama. De
repente, toda a gente parecia saber quem ele era, e não pelas melhores razões.
Isso deixava-o inquieto. Um tipo mais persistente podia fazê-lo perder as
estribeiras facilmente. Envolvia-se em cenas de pancadaria, algo que não era
o seu género e que nunca fizera no passado.


O excesso de coragem, às vezes, podia dar para o torto, e desafiar um
jovem possante e bem maior do que ele como o jogador de râguebi custou-lhe
uma semana em casa, cheio de dores, e mais outras duas para recuperar das
nódoas negras, retirar os pontos da cara, sarar uma ferida interna na boca,
recomeçar a comer alimentos sólidos sem problemas e voltar a ter um aspecto
apresentável. Mas foi uma pausa positiva, deu-lhe tempo para meditar,
analisar o caos em que se estava a tornar a sua vida e tomar uma decisão.
Tinha de fazer alguma coisa. De qualquer modo, a oportunidade surgira-lhe
há pouco tempo e só tinha de a aproveitar.


Nuno estava farto daquilo tudo, dos negócios escuros, de ser atormentado
pelo fornecedor, de viver em constante sobressalto, de se ir deitar com a
sensação de que seria acordado de manhã pela Polícia a bater-lhe à porta. Que
se lixe,
pensou, vou tramar aquele cabrão. Era fazer o que tinha a fazer e
partir antes de ser topado, meter-se num avião para Angola e desaparecer para
sempre, no que ao fornecedor dizia respeito. O homem era um animal e, se
conseguisse pôr-lhe as mãos em cima... bem, digamos que as consequências
fariam parecer o assunto da outra noite com o jogador de râguebi uma simples

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