O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Okay — disse o fornecedor, pegando lentamente no saco a seus pés e
estendendo-o a Nuno, que o segurou. — Podes levá-lo. Eu entro atrás de ti. E,
ouve... — prendeu o saco com força, ficando este momentaneamente a
baloiçar entre os dois — tem muito cuidado. Se tentas dar-me a banhada, se
eu sonho que me queres dar a boca, meu... — abanou a cabeça, pesaroso —
estás tão fodido, mas tão fodido, que não queiras saber. — Em resposta, Nuno
fez pressão no saco para o seu lado e arreganhou os dentes.


— Queres fazer isto ou não? — perguntou, com uma ponta de arrogância. O
outro largou o saco. — Então pára com essa merda das ameaças e não me
lixes a cena. Entra atrás de mim, mas dá-me espaço para respirar. Se o gajo te
topa, larga tudo e vai-se embora. — O fornecedor ergueu o dedo indicador.


— Um minuto. — Baixou o dedo e tocou no relógio de pulso no outro
braço. — Está a contar.


—   Pois,   está    bem...  —   resmungou   Nuno,   voltando-lhe    as  costas.

Atravessou a rua, abriu a porta do café, desapareceu no interior. Lá dentro,
o espaço era estreito e comprido como um corredor. Do lado direito um
balcão de madeira com tampo de mármore, do lado esquerda uma fila única
de mesas encostadas à parede. Nuno foi por ali fora sem se deter nem olhar
para ninguém.


Na rua o fornecedor aguentou-se vinte intermináveis segundos, a olhar para
o relógio, a olhar para a porta, a fumar que nem um desalmado, a andar para
trás e para diante, a largar fumo como uma locomotiva furiosa, nervoso, se o
cabrão me fode, se o cabrão se desbronca...
não esperou mais, que se lixe
esta porra toda,
atirou fora a beata, avançou para o café, mas ficou retido à
beira do passeio por uma avalancha de trânsito vinda do lado dos
Restauradores, gritando imprecações para os carros que não paravam de
passar, impedindo-o de atravessar a rua.


Nuno chegou ao fim do corredor e espreitou por cima do ombro para
confirmar que o fornecedor ainda não entrara pela porta oposta. Achou que
ele estava a dar-lhe o minuto que lhe pedira, sorriu aliviado.


O fornecedor atravessou a rua em passo de corrida, cada vez mais
preocupado, impelido por uma ansiedade crescente. O instinto dizia-lhe que
algo estava mal. Pensou que tinha sido pouco inteligente, que não devia ter

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